Ano I - Nº 01 - Março de 2007

:: Lobby: acertando a prática e os conceitos

Wilson da Costa Bueno*

      A prática do lobby, ainda que vista de maneira preconceituosa em nosso País, constitui-se em instrumento natural e importante da vida democrática. Na verdade, o lobby nada mais é do que o esforço empreendido por grupos, empresas, entidades etc no sentido de influenciar governos ou o Parlamento (instâncias que detêm o poder de decisão) para deliberações que os favoreçam.

      Pode-se inclusive, ampliando o conceito de lobby (como propõe Carlos Eduardo Lins da Silva na apresentação do livro Lobby: o que é. Como se faz, de Said Fahat, recém lançado), falar no lobby pessoal, isto é, na tentativa que um indivíduo faz para influenciar um outro. Quando um funcionário estimula os seus colegas a convencerem o seu chefe de que ele merece uma promoção, estaria, então, fazendo o seu lobby.

      O problema, como se pode depreender, não está, portanto, na prática ou na intenção de influenciar (todos nós fazemos isso, sobretudo os comunicadores, o tempo todo), mas nos desvios comumente realizados e sobretudo na falta de compreensão do conceito. Alguém, desavisadamente, pode imaginar (e isso tem ocorrido) que a ação dos “mensaleiros” durante a primeira gestão do governo Lula ou dos “sanguessugas” tenha algo a ver com o lobby. Ou que os cartéis do cimento, dos gases industriais, das vitaminas, que envolveram e têm envolvido grandes corporações, representam a prática do lobby. Nada mais equivocado. O lobby é, essencialmente, uma prática de comunicação e estes exemplos se situam no terreno da polícia. O “publicitário” Marcos Valério não é lobista na verdadeira acepção do termo, mas uma pessoa mal intencionada, não ética, que se infiltrou no governo para obter lucro fácil ( com a cumplicidade de um sistema promíscuo que favorece esta postura condenável) e que agora presta contas à Justiça.

      O lobby é especialmente necessário. Os aposentados, os sem terra, os contrários e os favoráveis aos transgênicos, os pequenos empresários e os ruralistas têm o direito de influenciar os parlamentares para que tomem decisões que lhes sejam favoráveis. Se o processo de influência é feito de maneira transparente, de tal modo que é possível identificar os motivos, os protagonistas e, em especial as ações e estratégias de influência, nenhum problema.

      O que ocorre, porém, no Brasil e em toda parte, é que esse processo (que a nosso ver já não deveria mais ser denominado lobby, pelo menos o lobby legítimo a que nos referimos) é realizado “por debaixo dos panos” e envolve mais do que argumentos, competência em comunicação ou em marketing político. Quando o processo é sujo, não é justo falarmos em lobby.

      Há uma fronteira do ponto de vista ético que precisa ser respeitada para que o lobby realmente se constitua numa prática legítima (seja, pois, lobby mesmo e não “safadeza”). O processo precisa ser sempre feito às claras. Se isso não acontece, estamos atravessando o perigoso atalho da corrupção, da falta de ética parlamentar e empresarial, que envolve propina, suborno de agentes públicos, chantagem etc.

      É justo que um partido político faça lobby para “plantar” um ministro no Governo e é também justo que setores da sociedade se empenhem para impedir que esse ministro, identificado com determinados interesses, ocupe este cargo. É justo que as universidades privadas busquem definir uma legislação que não as penalize, mas é também justo que os educadores exerçam influência para que determinados empresários da educação não a transformem num mero negócio.

      Em geral, o nosso preconceito com o lobby deriva dos resultados que temos observado em função de sua prática. Como o poder de influência na sociedade é desigual, os grandes grupos tendem a levar vantagem nesse embate , mesmo porque governantes inescrupulosos, parlamentares corruptos e empresários sem qualquer compromisso ético florescem no Brasil como verdadeiras pragas. Estimulados, evidentemente pela degradação ética a que têm sido submetidos, em determinados momentos, os nossos tradicionais poderes da República.

      Para evitar abusos, o lobby precisa ser regulamentado e este é o esforço atual que tem sido empreendido por entidades e especialistas que buscam dar transparência a estas ações e processos. Este esforço é louvável porque, sem regras definidas, continuaremos à mercê de grupos inescrupulosos que se aproximam do Governo e dos parlamentares para obter vantagens. Em todo mundo, é conhecida a atuação de determinados segmentos industriais que se valem do poder econômico para obter privilégios, muitos deles espúrios porque contrários aos interesses dos cidadãos e dos países. A Big Pharma, parcela da indústria agroquímica, a indústria de armas, as grandes construtoras, a indústria tabagista , representantes da indústria de bebidas e mais recentemente da indústria de biotecnologia e de sementes preferem, muitas vezes, o caminho mais tortuoso e obscuro, não gostam de agir diante dos holofotes.

      A regulamentação do lobby, no entanto, deve ser feita com cuidado. Muitos parlamentares e especialistas que se dispõem a comandar este processo precisam ser vistos com cuidado porque, tradicionalmente, têm estado (apesar do discurso e das aparências) a serviço das grandes corporações. Representantes ilustres do Partido Verde (em princípio defensores da natureza) podem estar financiados por empresas que predam o meio ambiente (mineradoras, fabricantes de agrotóxicos, de papel e celulose); parlamentares com formação na área de saúde podem estar defendendo a indústria da saúde ou tabagista e muitos deputados ruralistas podem ter apenas o compromisso com o não pagamento de dívidas anteriormente feitas e com a obtenção de novos favores oficiais.

      É preciso analisar a trajetória de quem se propõe a liderar este processo e agregar à discussão uma componente ética. Seria justo que o presidente desta comissão a favor da legalização do lobby fosse um parlamentar, por exemplo, que , nas últimas eleições, foi financiado por uma grande mineradora (vamos lá, que tenha recebido meio milhão de reais para elogiar a sua gestão ambiental) ou por uma construtora socialmente irresponsável (tem coisa por aí muito pior do que o buraco do Metrô paulistano!)? É confiável um parlamentar que se alinha permanentemente com a indústria da saúde e que possa estar suspeito de envolvimento com a “máfia das sanguessugas”? É justo depender da opinião de um pesquisador renomado que, na verdade, é funcionário, capataz de grandes empresas?

      A regulamentação do lobby no Brasil passa, necessariamente, por um grande lobby. Corporações não éticas, parlamentares corruptos, profissionais sem escrúpulos certamente não têm interesse em tornar o processo transparente e democrático porque têm lucrado com a “bandalheira” que aí está. Para eles, quanto menos regulamentação, melhor porque não correm o risco de serem “pegos com a mão na botija”.

      Defender a regulamentação do lobby é importante, mas não de qualquer lobby. Temos visto, no Brasil, que muitas vezes quando se busca regulamentar algo acaba se construindo um “frankstein” legal, que incorpora o jeitinho para a safadeza, para a corrupção, para o abuso.

      Não deveríamos deixar que os “lobistas” sujos (que, no nosso conceito, não são lobistas legítimos, mas pilantras e vilões da sociedade) que aí estão comandem o pretenso processo de limpeza. Precisamos ficar de olho neles e nos interesses que os subsidiam. As raposas estão sempre dispostas a abocanhar mais um pedaço de carne. Sobretudo a nossa.

Em tempo: É bastante interessante e útil a leitura do livro de Said Farhat, que a Aberje Editorial acaba de lançar: Lobby: o que é. Como se faz. Um verdadeiro tratado sobre o lobby. O autor esteve em Brasília durante muito tempo e conhece como a coisa funciona. Mas atenção: dificilmente as pessoas revelam todas as verdades, e os autores têm a pretensão de nos fazer acreditar que eles sempre estiveram do lado certo. Existe também o lobby dos autores. Alguns legítimos, outros nem tanto.

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*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e professor de Jornalismo da ECA/USP. Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

 
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