Wilson da Costa Bueno*
A prática do
lobby, ainda que vista de maneira preconceituosa em nosso
País, constitui-se em instrumento natural e importante
da vida democrática. Na verdade, o lobby nada mais
é do que o esforço empreendido por grupos,
empresas, entidades etc no sentido de influenciar governos
ou o Parlamento (instâncias que detêm o poder
de decisão) para deliberações que os
favoreçam.
Pode-se inclusive,
ampliando o conceito de lobby (como propõe Carlos
Eduardo Lins da Silva na apresentação do livro
Lobby: o que é. Como se faz, de Said
Fahat, recém lançado), falar no lobby pessoal,
isto é, na tentativa que um indivíduo faz
para influenciar um outro. Quando um funcionário
estimula os seus colegas a convencerem o seu chefe de que
ele merece uma promoção, estaria, então,
fazendo o seu lobby.
O problema, como se
pode depreender, não está, portanto, na prática
ou na intenção de influenciar (todos nós
fazemos isso, sobretudo os comunicadores, o tempo todo),
mas nos desvios comumente realizados e sobretudo na falta
de compreensão do conceito. Alguém, desavisadamente,
pode imaginar (e isso tem ocorrido) que a ação
dos “mensaleiros” durante a primeira gestão
do governo Lula ou dos “sanguessugas” tenha
algo a ver com o lobby. Ou que os cartéis do cimento,
dos gases industriais, das vitaminas, que envolveram e têm
envolvido grandes corporações, representam
a prática do lobby. Nada mais equivocado. O lobby
é, essencialmente, uma prática de comunicação
e estes exemplos se situam no terreno da polícia.
O “publicitário” Marcos Valério
não é lobista na verdadeira acepção
do termo, mas uma pessoa mal intencionada, não ética,
que se infiltrou no governo para obter lucro fácil
( com a cumplicidade de um sistema promíscuo que
favorece esta postura condenável) e que agora presta
contas à Justiça.
O lobby é especialmente
necessário. Os aposentados, os sem terra, os contrários
e os favoráveis aos transgênicos, os pequenos
empresários e os ruralistas têm o direito de
influenciar os parlamentares para que tomem decisões
que lhes sejam favoráveis. Se o processo de influência
é feito de maneira transparente, de tal modo que
é possível identificar os motivos, os protagonistas
e, em especial as ações e estratégias
de influência, nenhum problema.
O que ocorre, porém,
no Brasil e em toda parte, é que esse processo (que
a nosso ver já não deveria mais ser denominado
lobby, pelo menos o lobby legítimo a que nos referimos)
é realizado “por debaixo dos panos” e
envolve mais do que argumentos, competência em comunicação
ou em marketing político. Quando o processo é
sujo, não é justo falarmos em lobby.
Há uma fronteira
do ponto de vista ético que precisa ser respeitada
para que o lobby realmente se constitua numa prática
legítima (seja, pois, lobby mesmo e não “safadeza”).
O processo precisa ser sempre feito às claras. Se
isso não acontece, estamos atravessando o perigoso
atalho da corrupção, da falta de ética
parlamentar e empresarial, que envolve propina, suborno
de agentes públicos, chantagem etc.
É justo que
um partido político faça lobby para “plantar”
um ministro no Governo e é também justo que
setores da sociedade se empenhem para impedir que esse ministro,
identificado com determinados interesses, ocupe este cargo.
É justo que as universidades privadas busquem definir
uma legislação que não as penalize,
mas é também justo que os educadores exerçam
influência para que determinados empresários
da educação não a transformem num mero
negócio.
Em geral, o nosso preconceito
com o lobby deriva dos resultados que temos observado em
função de sua prática. Como o poder
de influência na sociedade é desigual, os grandes
grupos tendem a levar vantagem nesse embate , mesmo porque
governantes inescrupulosos, parlamentares corruptos e empresários
sem qualquer compromisso ético florescem no Brasil
como verdadeiras pragas. Estimulados, evidentemente pela
degradação ética a que têm sido
submetidos, em determinados momentos, os nossos tradicionais
poderes da República.
Para evitar abusos,
o lobby precisa ser regulamentado e este é o esforço
atual que tem sido empreendido por entidades e especialistas
que buscam dar transparência a estas ações
e processos. Este esforço é louvável
porque, sem regras definidas, continuaremos à mercê
de grupos inescrupulosos que se aproximam do Governo e dos
parlamentares para obter vantagens. Em todo mundo, é
conhecida a atuação de determinados segmentos
industriais que se valem do poder econômico para obter
privilégios, muitos deles espúrios porque
contrários aos interesses dos cidadãos e dos
países. A Big Pharma, parcela da indústria
agroquímica, a indústria de armas, as grandes
construtoras, a indústria tabagista , representantes
da indústria de bebidas e mais recentemente da indústria
de biotecnologia e de sementes preferem, muitas vezes, o
caminho mais tortuoso e obscuro, não gostam de agir
diante dos holofotes.
A regulamentação
do lobby, no entanto, deve ser feita com cuidado. Muitos
parlamentares e especialistas que se dispõem a comandar
este processo precisam ser vistos com cuidado porque, tradicionalmente,
têm estado (apesar do discurso e das aparências)
a serviço das grandes corporações.
Representantes ilustres do Partido Verde (em princípio
defensores da natureza) podem estar financiados por empresas
que predam o meio ambiente (mineradoras, fabricantes de
agrotóxicos, de papel e celulose); parlamentares
com formação na área de saúde
podem estar defendendo a indústria da saúde
ou tabagista e muitos deputados ruralistas podem ter apenas
o compromisso com o não pagamento de dívidas
anteriormente feitas e com a obtenção de novos
favores oficiais.
É preciso analisar
a trajetória de quem se propõe a liderar este
processo e agregar à discussão uma componente
ética. Seria justo que o presidente desta comissão
a favor da legalização do lobby fosse um parlamentar,
por exemplo, que , nas últimas eleições,
foi financiado por uma grande mineradora (vamos lá,
que tenha recebido meio milhão de reais para elogiar
a sua gestão ambiental) ou por uma construtora socialmente
irresponsável (tem coisa por aí muito pior
do que o buraco do Metrô paulistano!)? É confiável
um parlamentar que se alinha permanentemente com a indústria
da saúde e que possa estar suspeito de envolvimento
com a “máfia das sanguessugas”? É
justo depender da opinião de um pesquisador renomado
que, na verdade, é funcionário, capataz de
grandes empresas?
A regulamentação
do lobby no Brasil passa, necessariamente, por um grande
lobby. Corporações não éticas,
parlamentares corruptos, profissionais sem escrúpulos
certamente não têm interesse em tornar o processo
transparente e democrático porque têm lucrado
com a “bandalheira” que aí está.
Para eles, quanto menos regulamentação, melhor
porque não correm o risco de serem “pegos com
a mão na botija”.
Defender a regulamentação
do lobby é importante, mas não de qualquer
lobby. Temos visto, no Brasil, que muitas vezes quando se
busca regulamentar algo acaba se construindo um “frankstein”
legal, que incorpora o jeitinho para a safadeza, para a
corrupção, para o abuso.
Não deveríamos
deixar que os “lobistas” sujos (que, no nosso
conceito, não são lobistas legítimos,
mas pilantras e vilões da sociedade) que aí
estão comandem o pretenso processo de limpeza. Precisamos
ficar de olho neles e nos interesses que os subsidiam. As
raposas estão sempre dispostas a abocanhar mais um
pedaço de carne. Sobretudo a nossa.
Em tempo: É bastante interessante e útil
a leitura do livro de Said Farhat, que a Aberje Editorial
acaba de lançar: Lobby: o que é. Como se
faz. Um verdadeiro tratado sobre o lobby. O autor esteve
em Brasília durante muito tempo e conhece como a
coisa funciona. Mas atenção: dificilmente
as pessoas revelam todas as verdades, e os autores têm
a pretensão de nos fazer acreditar que eles sempre
estiveram do lado certo. Existe também o lobby dos
autores. Alguns legítimos, outros nem tanto.
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*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor
do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
Social da UMESP e professor de Jornalismo da ECA/USP. Diretor
da Comtexto Comunicação e Pesquisa.