:: O McDonald´s quer limpar a imagem com propaganda. Não vai dar mesmo, caro Larry

Wilson da Costa Bueno*

       A Gazeta Mercantil , no dia 6 de julho de 2004, abriu manchete em sua página de Mídia & Marketing (página A-14) para reverenciar a nova campanha mundial do McDonald´s, que , segundo a repórter Andréa Ciaffone, que assina a matéria (diretamente de Cannes), aumentou as vendas da gigante do fast food e, o que é mais importante, melhorou a sua imagem.
       Parodiando o cidadão malcriado que existe por aí: "que imagem melhorada é essa, cara pálida?"
       Mas é ilustrativo ler a matéria (aliás baseada em uma única fonte, o vice-presidente de Marketing do McDonald´s, Larry Light, a quem a repórter chama de Light, talvez porque Larry não traga mesmo boas lembranças para o jornalismo brasileiro e, particularmente, para o nosso presidente) porque ela inclui conceitos e revela as intenções da empresa.
       O Larry (prefiro chamá-lo assim porque Light não combina com o produto vendido pelo McDonald´s) explica, entusiasticamente (chegou a envolver com seu entusiasmo a própria matéria e a repórter) que a campanha se adapta "a todas as culturas dos 119 países em que o McDonald´s está prsente por meio de 30 mil restaurantes" e que resgata "aquela emoção especial em relação à marca" que, segundo ele, os consumidores estavam perdendo.
       Ele não economiza números para saudar o sucesso da campanha, que, como esclarece a repórter, foi pensada e realizada pelo "time do Light": as vendas mundiais cresceram 2,3 milhões de refeições por dia, o que pode ser estimado em algo (pelos cálculos toscos, mas lógicos, da repórter) entre 5 a 12 milhões de dólares por dia.
       Larry garante que "a campanha foi bem sucedida porque é muito mais do um slogan - (I´m livin it"), é uma nova atitude , capaz de ser traduzida localmente , mas que tem uma unidade global que a torna muito poderosa". E alinha os pilares da nova dinâmica de marketing do McDonald´s: a) mudança de abordagem no marketing da marca; b) a adoção do "brand journalism"; c) mudança de voz (tirou a fala da boca do McDonald´s para colocar na do consumidor) e d) defesa da tese de que as idéias não devem ter fronteiras ("o conceito da campanha veio da Alemanha, os melhores outdoors foram feitos no Brasil, as camisetas criadas na Holanda foram um sucesso, a nova decoração das lojas surgiu na França").

Jornalismo de marca é a "mamãezinha"!

       Na verdade, o conceito de "brand journalism" efetivamente assusta. O "jornalismo de marca" , do Larry , segundo a matéria da Gazeta Mercantil, "resume um processo de comunicação capaz de contar a história da marca, informar, entreter e persuadir os consumidores, tal qual as revistas e jornais".
       Pobre e esperto Larry. Confunde jornalismo com propaganda porque só vê persuasão no processo de comunicação, uma forma de seduzir e enganar os consumidores. Certamente, ele imagina que, rotulando a campanha de jornalismo, dá a ela a credibilidade que não tem e, sobretudo, fecha os olhos, mais interessado no tilintar da caixa registradora, a uma onda crescente de rejeição ao modelo McDonald´s de alimentar e de administrar.
       Em todo o mundo, e também no Brasil, a reclamação dos franqueados é crescente, porque a empresa costuma cometer abusos com os seus parceiros de marca. Por aqui também, matéria publicada na Isto É levantava suspeita sobre sonegação fiscal na rede, valendo-se de e-mails trocados entre os que administram o negócio. Mas o pior de tudo é a luta mundial contra a obesidade, que aqui também encontrou eco, em que a indústria do fast food (e não só o McDonald´s) é tida como grande vilã pela influência que costuma ter junto aos jovens (com a campanha do Larry, o prejuízo para a saúde global deve ter aumentado na mesma proporção do dinheiro que caiu no cofre!).
       Há algo que pouco se comenta, embora esteja na cara: a exploração dos funcionários da rede, pelo menos no Brasil. A pressão pela produtividade (o que significa lucro) tem levado as lojas a cometer abusos incríveis contra os funcionários, obrigados a acumular várias tarefas como se fossem máquinas de fazer sanduíche, café e sorvetes.
       Um exemplo flagrante e recorrente: quem for ao subsolo do Shoppping Villalobos em São Paulo, encontrará, na hora do almoço, apenas uma mocinha (independente de qual esteja lá, são todas muito simpáticas) para tomar conta dos quiosques de café e de sorvetes. Durante algumas horas, no horário de pique, ela serve café, salgadinhos e sorvete (que fica em outro quiosque), lava a louça, cobra no caixa e ainda tem que limpar as mesas que ficam em frente à loja. O salário é pequeno e ainda há uma pessoa para controlar o seu desempenho (um dia desses, uma delas foi surpreendida pela fiscal sem estar rindo para o freguês e foi de castigo para a cozinha do restaurante, no andar superior. Na cultura do McDonald´s,, ir para a cozinha é a punição mais constrangedora). Desmaios de funcionários e crise nervosa já foram relatados por lá, tal a pressão a que são submetidas as funcionárias. Elas ficam agoniadas até porque, em estando sozinhas, não podem sequer ir ao banheiro. Falar mal do McDonald´s? Jamais porque dá demissão na certa ("as máquinas de café têm ouvidos, disse-nos há alguns meses uma delas").
       O problema não se repete apenas no Shopping Villalobos e você pode checar esse fato também na maioria das lojas da rede. Um gerente chegou a justificar a pressão e a correria porque, segundo ele, o brasileiro , diferentemente do americano, é muito lerdo.
       Uma pesquisa com os ex-funcionários do McDonald´s iria revelar se essa é mesmo uma "empresa boa para trabalhar". O que se percebe é que ela se aproveita de jovens que, muitas vezes, estão ansiosos pelo primeiro emprego, e precisam levar algum trocadinho pra casa.
       Lavar a imagem com propaganda não é a melhor solução e costuma não dar certo.
       Talvez fosse melhor , o McDonald´s fazer direito a lição de casa. Sem "jornalismo de marca" , respeitando os seus funcionários e seus parceiros, e, sobretudo, sem campanha global para incentivar o consumo de gordura. A sociedade, sr. Larry Light, detesta tudo isso!

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* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

 
 
 
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