*Wilson da Costa Bueno
Quem conheceu a TAM do Comandante
Rolim não pode aceitar, impunemente, o que a empresa
andou fazendo nos aeroportos brasileiros. Pessoas dormindo
no chão, crianças perdidas, idosos e deficientes
desrespeitados, consumidores leais à empresa trancados
por horas em ônibus ou em aeronaves estacionados na
pista, sem condições ou autorização
para decolarem. Falta de informações, desculpas
cínicas para mazelas indesculpáveis, casos
flagrantes de overbooking e de incompetência administrativa
que ficam cada vez mais difíceis de desmentir .
A TAM já não é a mesma há algum
tempo. Certamente, porque agora lhe falta um comandante,
alguém que realmente esteja comprometido com a sua
imagem, a sua credibilidade, a sua reputação.
Uma empresa voando às cegas sem saber onde aterrissar.
A TAM cresceu vertiginosamente, seduzida pela ânsia
de conquistar mercado, sobretudo depois da derrocada da
Transbrasil, da Vasp e, mais recentemente da Varig, que
lenta e dolorosamente procura se reerguer.
A TAM é uma empresa que perdeu a capacidade de se
relacionar com o mercado e com os seus públicos e
que esteve no Natal de 2006 (continua agora?) flagrantemente
em briga com os passageiros, a imprensa, as autoridades
(até o presidente se referiu a ela diante dos holofotes
da TV!) e, sobretudo, com a opinião pública.
A TAM esteve refém, ao longo do tempo, de um interlocutor
de confiança - o Comandante Rolim - que esperava
os passageiros (até de cadeira de rodas após
um acidente) no aeroporto e que assumia efetivamente a responsabilidade
pelos possíveis erros da companhia (e ela tinha muito
poucas falhas à sua época). A comunicação
da TAM estava centrada nele e a empresa não se deu
conta de que deveria adotar, em termos de comunicação,
uma gestão mais profissional, menos amadorística.
Desta forma, quando o comandante Rolim fatidicamente deixou
a companhia, ela ficou órfã em termos de comunicação
e de relacionamento. E perdeu o respeito.
Falar com o presidente passou a ser apenas uma estratégia
mercadológica, agora sem sentido. Sem o comandante,
a TAM mudou de rota: buscou crescer a todo custo (o que
realmente aconteceu particularmente mais em função
da quebra dos concorrentes do que de seus próprios
méritos) e colocou as finanças acima do respeito
pelo consumidor.
Deu no que deu, é sempre assim. Uma empresa que
volta as costas para aqueles que a sustentam e que orienta
sua bússola para o lucro acima de tudo pode sofrer
panes e derrapagens na comunicação. E, nos
jornais, na TV, na mídia e na sociedade, a comunicação
da TAM patinou no Natal de 2006 o tempo todo, como se estivesse
pousando em pista molhada, com o trem de pouso recolhido,
em velocidade acima do permitido.
Certamente, as punições prometidas pelo Governo
(e merecidas) serão esquecidas rapidamente porque
estamos no país da impunidade. Como diz sabiamente
o povo, gente graúda, pelo menos aqui, não
paga pelos erros que comete. Mas, com certeza, os seus consumidores
desrespeitados, a sociedade que acompanhou os abusos pela
TV e tomou contato com as cínicas e hipócritas
notas oficiais (esta é a comunicação
da TAM!) não deverão perdoá-la tão
cedo. Que os consumidores, empresas lesadas (hotéis,
agências de viagem etc) possam puni-la exemplarmente,
atacando-a no único lugar em que ela parece ser sensível:
o bolso.
Mais uma vez (e agora de forma dramática) sentimos
saudades do comandante Rolim, da pessoa que fundou e deu
vida a esta empresa, que foi sacudida no ar e em terra pela
incompetência e pela falta de respeito ao consumidor.
É importante reconhecer, apesar dos deslizes cometidos
por um ou outro funcionário em momentos de grande
pressão e estresse, que a maioria dos colaboradores
da TAM não teve culpa por esse descalabro a que assistimos
e que, injustamente, foi colocada na linha de frente como
soldados desarmados em uma batalha sangrenta. Não
deve ser fácil trabalhar numa empresa que não
assume responsabilidades e que prefere emitir desmentidos
na tentativa desesperada e vã de salvar a sua imagem
e reputação.
Uma empresa moderna, comprometida com a responsabilidade
social, não vive por aí dando solavancos na
sociedade. A TAM de há muito deixou de voar em céu
de brigadeiro. Infelizmente, conduziu, no final de 2006,
os que confiaram nela a ambientes sombrios (bancos de aeroportos,
ônibus e aeronaves fechadas a 40 graus etc etc).
Não é justo que ela continue repetindo o
seu slogan: orgulho de ser brasileira porque, certamente,
a TAM nos traiu e , gradativamente (desculpe-nos comandante
Rolim), ela vai deixando de ser uma das nossas.
Sem comunicação, é bem provável
que a TAM, passado esse lamentável episódio,
venha a recorrer a uma das agências que vivem por
aí se oferecendo para "limpeza de imagem".
Imagem não se limpa, não se "maqueia".
Imagem e sobretudo reputação se constróem
com seriedade, transparência e respeito ao cidadão.
Mas agências de comunicação/propaganda
que legitimam essas barbaridades e prospectam clientes com
esse perfil certamente discordam: as imagens sujas é
que lhes dão dinheiro e elas, como pareceu ser a
TAM neste período sombrio,têm um amor enorme
ao bolso. A TAM de 2006 é um prato cheio para quem
oferece serviços de "limpeza de imagem",
embora essa limpeza não seja fácil nem rápida
(será possível um dia, mesmo com a tradicional
generosidade e memória curta dos brasileiros?).
Em tempo: 1) O nosso eterno respeito pelo saudoso comandante
Rolim; 2) Talvez a direção da empresa busque
argumentos financeiros (aumento da cotação
das ações, recorde de passageiros, liderança
no mercado etc) para tentar convencer a sociedade no futuro
que os problemas de 2006 não foram tão graves.
Mas a história não a perdoará. Os jornais,
as revistas, o rádio, a televisão e a internet
, a indignação dos que foram prejudicados
e a vigilância dos comunicadores e cidadãos
éticos farão com que a memória dos
seus dirigentes seja refrescada permanentemente. Um presente
de Natal como esse a sociedade nunca esquece.
A comunicação em pane foi, com certeza, também
responsável pelo maior acidente da TAM, um acidente
ético que deixou milhares de vítimas em todo
o País. Que a TAM providencie, urgentemente, a manutenção
em sua estrutura de comunicação e no seu sistema
de gestão e que volte a honrar o seu slogan: orgulho
de ser brasileira. Do jeito que esteve no Natal de 2006
(continua ainda?), será melhor que a gente se esqueça
disso.
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*Prof. Dr. Wilson da Costa Bueno,
jornalista, professor do programa de pós-graduação
em Comunicação Social da UMESP e professor
de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação
e Pesquisa.