Wilson da Costa Bueno*
Em princípio, talvez seja mesmo exagerado condenar uma cerveja bem gelada , um chopp bem tirado (você conhece o Pinguin, em Ribeirão Preto?) ou um bom copo de vinho, mas a questão não é essa. Não estamos engajados nesta cruzada contra o álcool que, além de inócua, só serviria para despertar a atenção dos jovens, normalmente atraídos por aquilo que é proibido.
O problema reside no fato de que, como a indústria do tabaco, os fabricantes de bebidas alcoólicas têm adotado estratégias de comunicação nada éticas (ver artigo sobre a Bacardi e sua estratégia de lavagem cerebral), buscando, através de inúmeros artifícios, seduzir os jovens. Na verdade, no Brasil, mas também em todo o mundo, o hábito de beber ( hábito é uma forma elegante, um eufemismo para designar este vício) tem sido introduzido muito cedo , por omissão das autoridades e complacência dos pais, e o número de meninos e meninos que já bebem regularmente aos 11 ou 12 anos é significativo (e preocupante).
A mídia, que, muitas vezes, vê o fabricante de bebidas apenas como um bom anunciante, tem "lavado as mãos" e, quase sempre, contribui para estimular o consumo. Não são raras as matérias sobre novos lançamentos de bebidas (a "delícia dos novos ices") . Até os sorvetes, que têm incorporado vodca, cachaça e outras bebidas em sua composição, foram saudados , recentemente, como tendências do último verão. Uma postura nada crítica, que deve ter agradado em cheio aqueles que estão empenhados em aumentar as vendas a qualquer custo, mas que envergonha os que acreditam que a imprensa precisa ser socialmente responsável.
Enquanto isso, a OMS - Organização Mundial de Saúde continua tentando mobilizar empresários, ONGs, entidades da sociedade civil, empresários e profissionais da comunicação , em todo o mundo, para os perigos a que estão expostos os cidadãos (notadamente crianças e jovens), em virtude da propaganda de bebidas alcóolicas. O consumo abusivo e precoce está estreitamente relacionado com a violência, as drogas , a desagregação familiar, a incapacidade para o trabalho produtivo e inúmeras doenças fatais.
Há aqueles que, como nós, acredita que, droga por droga, tabaco e álcool deveriam ser tratados com o mesmo rigor e que o alerta aos consumidores deveria ser obrigatório nas mensagens publicitárias, nas embalagens dos produtos e em qualquer local onde as bebidas estivessem sendo divulgadas. Uma decisão recente da Justiça , no Rio Grande do Sul, aponta para a obrigação de, assim como no cigarro, as campanhas publicitárias de bebidas incluirem avisos de alerta aos consumidores.
Com certeza, os fabricantes de bebidas , as agências que os representam e até muitos veículos de comunicação têm posição contrária. Sob a alegação de que a restrição afronta a liberdade de expressão, organizam um lobby gigantesco e poderoso para continuar fazendo o que sempre fizeram: estimular o consumo, sem atentar para a idade dos "viciados". Os espetáculos esportivos e até a famosa seleção "canarinho" têm sido, costumeiramente, promovidos pela indústria de bebidas, evidenciando uma relação muito próxima entre os "donos do vício" e o poder instituído.
Esta história é conhecida, não surpreende, mas causa indignação. Recentemente, a indústria tabagista conseguiu impor ao Governo Lula a chamada Medida Provisória do Tabaco para permitir que, burlando a legislação vigente, a corrida de Fórmula I, realizada em São Paulo, pudesse ostentar o logo e a mensagem dos fabricantes de cigarros, tradicionais patrocinadores de muitas equipes. A mídia, que chiou bastante, e com razão, nesse caso, tem poupado a indústria de bebidas, seja por ignorar os malefícios que este consumo provoca, seja para não perder a polpuda verba publicitária com que ela os contempla.
Associar esporte e saúde com tabaco e álcool é certamente agredir a inteligência, mas é isso que acontece , com poucas reclamações em nosso País. É preciso destacar, positivamente, a Folha de S. Paulo, que, em recente editorial, alertou para a escalada do consumo de bebidas alcóolicas em nosso País, resgatando a sabida relação entre consumo de bebidas e de drogas, mas também o crescimento do índice de violência e de acidentes automobilísticos provocados pela ingestão do álcool, que tem vitimado sobretudo os nossos jovens.
O Governo, por imposição da sociedade, precisa definir limites para a agressiva campanha da indústria de bebidas , acabando com a "farra" que se instalou na propaganda do álcool. Já não bastam as mensagens machistas que caracterizam a propaganda das cervejas brasileiras?
A propaganda de bebidas, assim como acontece com a do cigarro, merece , para usar a linguagem dos jovens, uma "sacudida legal". Os interesses são poderosos e os métodos de convencimento e de lobby transgridem a lei e a ética.
As agências de propaganda e seus profissionais deveriam também assumir o seu papel, deixando de desperdiçar o seu talento com campanhas socialmente irresponsáveis. Certamente, para algumas delas é pedir demais. Provavelmente, praticam , sem qualquer vergonha, a máxima superada de que "dinheiro é dinheiro, não importa o dono". Isso explica porque muitas postam-se ao lado de políticos tidos como corruptos em épocas de eleição, defendem fabricantes de drogas (o tabaco e o álcool são outra coisa?) ou promovem falsos medicamentos e terapias, penalizando a população. Talvez esteja chegando a hora de mudar o jogo. Como não temos rabo preso, atiramos aqui a primeira pedra.
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*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e professor de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.