Gino Giacomini Filho*
Fatores atuais, como
competitividade, globalização, dependência tecnológica e
exigências da Sociedade da Informação, têm interferido nas
corporações, em que a redução de custos e eficácia operacional
muitas vezes aponta para a compatibilização de atividades
entre as organizações.
Num grau mais específico,
tal harmonização tem levado à união, de fato, de estruturas
físicas, humanas e valorativas, formando um único comando
e, portanto, instituições com mais solidez para satisfazer
mercados e enfrentar a crescente concorrência, inclusive
de âmbito internacional.
Se, de um lado, a partilha
de estruturas corporativas aponta para uma perda sobre o
patrimônio bruto, de outro traz o combustível necessário
para sobrevivência ou manutenção de um status competitivo.
Mas se do ponto de vista
corporativo a fusão é uma solução administrativa, de outro
acarreta um desequilíbrio junto ao mercado e à sociedade,
pois envolve também interesses de clientes, funcionários,
fornecedores, tornando-se fundamental articular um sistema
de comunicação. Neste trabalho, tal sistema estará restrito
à comunicação mercadológica que, além da função informativa,
contém argumentos e valores persuasivos.
Não há consenso sobre
a origem da formação de parcerias e fusões corporativas.
A Companhia da Índia do Leste, formada em 1604, teria sido
uma das primeiras "holding", em que conciliou
interesses de diversos empresários ingleses.
No Brasil, o sistema
de "holding" caracterizou-se mais pelo ingresso
de multinacionais, talvez pelo pequeno número de grupos
econômicos nacionais expansionistas e à cultura da empresa
familiar. O CADE (Conselho Administrativo de Desenvolvimento
Econômico), criado em 1962 à semelhança das leis anti-trustes
americanas, foi a primeira manifestação oficial brasileira
no sentido de empreender um controle maior das atividades
de conglomerados corporativos.
Embora já nos anos oitenta
o mercado mundial (Estados Unidos, Japão, Europa Ocidental,
Sudeste Asiático) vivenciasse a prática de fusões e parcerias
num ritmo acelerado, só a partir da segunda metade dos anos
noventa foi adotada efetivamente por grupos privados nacionais.
Para Pietro, "Parceria"
designa formas de sociedade que, sem formar uma nova pessoa
jurídica, organizam-se para a consecução de determinados
fins. Uma das formas de se manifestar formalmente a parceria
é por meio de convênio: acordo de vontades com características
próprias. No ato coletivo, as partes desejam o mesmo: realizar
conjuntamente uma ou várias operações comuns: seus interesses,
ainda se diferentes, caminham na mesma direção (PIETRO,
Maria S.Parcerias na Administração Pública. 3 ed.
São Paulo: Atlas, 1999).
Já o conceito de fusão
possui um detalhamento técnico maior: " Ato de natureza
corporativa ou social, por meio do qual duas ou mais sociedades,
ante a dissolução de alguma ou de todas elas, confundem
seus patrimônios e agrupam em uma só sociedade". Implica
um processo societário (duas ou mais sociedades), absorção
de umas por outra ou união entre elas para uma nova, transmissão
global do patrimônio, incorporação dos acionistas, extinção
das incorporadas. (BULGARELLI, Waldirio. Fusões, incorporações
e cisões de Sociedades. São Paulo: Atlas, 1998).
Rosmussen justifica
as alianças empresariais com a questão do "the square
one investment risk theory", em que a organização não
estaria vinculada aos riscos de investimentos de estaca
zero, pois a parceria levaria em conta certa experiência
e know how dos pares em processos a serem dinamizados. "Nesta
nova realidade da economia internacional, as estratégias
e táticas da aquisição, da fusão empresarial e do "joint
venture" são ferramentas de impacto tipo "Blitz
Krieg" onde uma empresa ou um grupo econômico pode
penetrar em mercados a curtíssimo prazo sem necessidade
de esperar a maturidade dos seus investimentos de estaca
zero." (ROSMUSSEN, U. W. Aquisições, fusões e incorporações
empresariais. São Paulo: Aduaneiras, 1989)
De qualquer forma, a
aliança corporativa é uma forma de criar oportunidades que
depende em grande parte dos interesses da própria instituição.
Esta decisão estratégica envolve riscos, como passar ao
mercado a imagem de uma possível fragilidade financeira,
ou a tentativa de cartelização.
A fusão precede de um
período de intensas negociações, conduzidas sob sigilo,
compreendendo um processo de comunicação basicamente administrativo
e confidencial. No momento em que o acordo é fechado, desencadeia-se
prontamente um processo de comunicação essencialmente noticioso,
imediato e com alarde junto à opinião pública, revestido
de uma índole unilateral. Mesclam-se, normalmente, atitudes
de apoio, indiferença e reprovação, tendo que a corporação
direcionar estratégias, instrumentos e veículos apropriados
para conduzir cada manifestação importante.
No cenário institucional
brasileiro, tem se tornado comum a formação de parcerias
como forma de manter e conquistar mercados. Assistimos à
união de forças no setor bancário, supermercadista, aéreo,
publicitário, alimentar, dentre outros, que não hesitaram
em empreender acordos associativos para consolidar e ampliar
interesses comerciais e sociais. São empresas que não desprezaram
a força dos concorrentes como forma de gerar oportunidades
de marketing, ao invés de apenas combatê-los, ignorá-los
ou isolá-los.
Não é por acaso que
algumas empresas já possuam departamento de fusões e aquisições,
destinado a olhar as oportunidades no mercado
Mas, talvez, as duas
uniões que causaram maior impacto na opinião pública foi
a que redundou na compra da marca Kolynos pela Colgate (1995)
e a fusão das cervejarias Antarctica e Brahma (1999/2000).
Considerada a maior
fusão de empresas brasileiras, a AmBev (Companhia de Bebidas
das Américas) reuniu as ações da cervejaria Antarctica com
a Brahma em 1999, resultando na maior empresa nacional de
capital privado em receita operacional bruta: R$ 8 bilhões.
Constituiu-se, em 1999, na terceira maior cervejaria e na
quinta empresa de bebidas no mundo. Em termos de mercado
interno, o impacto maior foi no setor de cerveja, representando
71,6% do "share" nacional, ameaçando diretamente
a marca Kaiser (Coca-Cola) com 15%. A AmBev previa para
1999 administrar 78% do movimento de fornecedores de embalagens
de cerveja, além de R$ 450 milhões em verbas de comunicação.
A fusão veio num momento em que o Brasil estava sendo fortemente
assediado por marcas internacionais (Budwiser, Miller, Heineken
etc) e as vendas internas declinando, caso de período de
janeiro a maio de 1999 que teve 11,3% de vendas inferiores
a igual período do ano anterior. Com a recente aprovação
da fusão pelo CADE, a Ambev consolidou-se como uma das maiores
empresas de capital privado brasileiro.
Porém, antes que isso
acontecesse, houve grande furor na mídia e opinião pública,
principalmente em função do grupo Coca-Cola, detentor da
marca Kaiser.
A comunicação em
processos de alianças corporativas
A necessidade de comunicação
da corporação, ao participar de parcerias ou fusões, advém
de várias circunstâncias, que transitam entre rumores falsos
e informes verdadeiros:
- Desemprego. Uma das consequências práticas da fusão é o equacionamento dos recursos humanos, tendo como desdobramento demissões. Este aspecto demanda um trabalho de comunicação específico junto a trabalhadores e sindicatos.
- Monopólio, ou seja, possível domínio do mercado com o intuito de controlar preços e disponibilizar produtos e serviços de forma predatória. Considerando tais aspectos, tanto o governo, como concorrentes, instituições de defesa do consumidor e a imprensa podem agir no sentido de reverter ou reduzir a fusão, ou ainda trabalhar negativamente a imagem da corporação sob a alegação de monopolização de mercado. Ações comunicativas, como lobbing, assessoria de comunicação e informe publicitário podem ser meios importantes no relacionamento com estes públicos.
- Retaliação de concorrentes. Sob o argumento da possível elevação de preços e concorrência desleal, os concorrentes agem como podem para barrar ou delimitar a fusão. Contam com os organismos reguladores oficiais, poder judiciário e opinião pública. Por vezes, recorrem à propaganda comparativa ou denunciativa para desestabilizar a nova corporação ou gerar oportunidades de mercado apontando aspectos negativos na aliança.
- Intimidação de agentes do mercado. Tanto fornecedores como intermediários podem se sentir ameaçados com o poder de barganha da corporação, demandando um trabalho estratégico de comunicação "business to business".
- Desconsideração com acionistas. A pulverização ou alteração das cotas e valores acionários, notadamente junto aos pequenos acionistas, pode demandar uma comunicação personalizada e elucidativa.
- Fragilidade financeira. Tanto o mercado profissional como a opinião pública podem entender a fusão como sinal de fraqueza da empresa, cabendo estratégias específicas de comunicação que revertam esta situação.
- Abandono da localidade. A comunidade em que a empresa está estabelecida precisa ser informada dos planos da nova corporação, caso de sua saída ou não, caso de demissões, caso de mudança de perfil de produção/serviços etc. Envolve interesses de prefeituras, estados, escolas, estabelecimentos comerciais e muitos outros.
- Exclusão e criação de marcas/produtos. São decisões que afetam clientes, pois muitos artigos fazem parte do estilo de vida das pessoas. As marcas contam com um valor de imagem que pode ser deteriorado.
- Exclusão do nome corporativo. O nome da empresa, muitas vezes trabalhado por anos, ao ser mudado, pode resultar em perda de sinergia junto ao mercado como um todo. A marca corporativa, como um "guarda-chuva", serve de avalista para cada marca ou serviço, sendo um ponto de referência para o consumidor. Talvez o trabalho de comunicação mais importante seja o de tranquilizar públicos de interesse que a nova organização continuará se responsabilizando por atividades comerciais e de interesse público acordadas ou que envolvam direitos adquiridos. Esta responsabilidade pode ter o serviço de atendimento ao consumidor como um grande aliado.
- Descaracterização das marcas e atividades. A corporação, que buscou posicionamento estratégico para seus produtos e serviços, além de posicionar-se no mercado, terá que gerenciar as consequências da alteração, até porque suas marcas possuem valor patrimonial. O trabalho de comunicação, ao associar marcas tradicionais e bem aceitas com as novas, pode ser valioso.
- Imediatismo. Tanto a sociedade como o mercado podem estranhar a rapidez do processo de fusão, como que desconfiando de algo "suspeito". Veloz também deve ser o trabalho de comunicação e, como num movimento sincronizado, agregar-se aos demais movimentos corporativos. Neste caso, a ação comunicativa não pode limitar-se a noticiar o evento da fusão, algo que geralmente é feito com estardalhaço junto aos meios de comunicação de massa. Deve ser um trabalho contínuo até ser a aliança assimilada adequadamente.
Uma fusão corporativa
requer tanto um trabalho de informação precisa e articulada
temporalmente, como uma sequência persuasiva para iniciar
(ou reiniciar) a estratégia mercadológica para as marcas
e a organização como um todo.
Apegando-se aos conceitos
de comunicação mercadológica e aos três fatores básicos
necessários à fusão, sugere-se aqui um sistema de comunicação
para fusões:
1) Estabelecer uma
política de transição durante a fusão. O impacto junto
a públicos de interesse, a mudança do perfil no mix de produtos,
são alguns aspectos que justificam o estabelecimento de
uma estratégia de transição, em que a comunicação tem papel
decisivo. Trata-se de um acontecimento que interferirá na
vida de pessoas, acionistas e muitos segmentos da sociedade
e mercado, devendo todos serem informados da maneira mais
ágil possível. O momento da fusão deve ser aproveitado para
gerar sinergia mercadológica para a corporação e suas marcas,
justificando a divulgação "em grande estilo".
É também um momento particular e solene da corporação, que
antevê futuro melhor para si, espelhando um procedimento
de comunicação unilateral e quase testemunhal, em que até
pessoas do alto escalão atuam na mensagem a fim de proporcionar
maior credibilidade ao fato. Características principais
da comunicação nesta fase: credibilidade, rapidez, precisão,
amplitude e informação. Instrumentos indicados:
Informe publicitário:
divulgado em diferentes veículos, teria papel incrementador
para que a opinião pública e públicos de interesse se inteirassem
do fato.
Marketing direto: uso
desta comunicação dirigida num sentido diferenciador junto
ao receptor, caso de acionistas.
Relações Públicas: estabelecimento
de atividades comunicacionais na administração de relacionamento
da organização com seus públicos internos e externos, incluindo
"lobbing".
Assessoria de Comunicação/Imprensa:
divulgação de fatos e informações sobre a história das organizações,
marcas, importância social etc.
Propaganda: os anúncios
publicitários, neste caso, teriam um formato institucional,
agindo como fator incrementador de imagem corporativa.
Marketing Digital: O
uso de suportes computadorizados e redes virtuais (Internet),
além do imediatismo, podem agregar um posicionamento vanguardista
e diferenciador.
2) Ter critérios
lógicos na expansão ou substituição da linha de produtos.
A fusão traz nova correlação de forças na organização, implicando
reelaboração de estratégias mercadológicas e incremento
em vendas e lucratividade. Características principais da
comunicação nesta fase: posicionamento, persuasão, agilidade,
adequação e comprometimento (vendas). Além do Marketing
direto (como fator incrementador de vendas), Propaganda
(focada no produto/marca) e Marketing Digital, haveria outros
instrumentos para aumentar as vendas e lucros atrelados
a marcas novas ou já existentes:
Promoção de vendas:
esforço de promoção de incentivo a vendas, como sorteios,
brindes, descontos, cuponagem.
Venda Pessoal: uso do
vendedor/atendente em contato direto com o consumidor.
Marketing de incentivo:
promoção dirigida ao público interno para incremento da
produtividade.
Merchandising: comunicação
persuasiva em locais de consumo/uso, diretamente ao consumidor.
Merchandising publicitário:
aparição paga e não ostensiva de marca/produto em programas
ou espaço editorial
Comunicação Visual:
conjunto de peças comunicacionais e símbolos que nomeiam
e identificam produtos, serviços e a corporação como um
todo. Lançamentos de novas marcas e serviços, além da própria
identidade visual da corporação, necessitam um trabalho
contínuo para sedimentar tais posicionamentos junto aos
clientes.
3) A fusão deve conviver
com elaboração de estratégias, táticas e objetivos a longo
prazo. Neste caso, a comunicação deve ser de caráter
contínuo, agregada a um plano em que diferentes instrumentos
seriam alocados. Portanto, todos os instrumentos da comunicação
mercadológica podem atuar, obedecendo a uma planejamento
estratégico e uma conformação integrada. Especificamente
para os propósitos de longo prazo, podem ser alocados os
sistemas incrementadores de relacionamento, como os serviços
de atendimento a consumidores e ações de divulgação institucional.
OBS: Comunicação apresentada no 15º
Congresso Brasileiro de Comunicação Empresarial,
promovido pela Comtexto Comunicação e Pesquisa,
em São Paulo, no período de 25 a 26 de maio
de 2.000.
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* Gino Giacomini Filho é Doutor e Livre-docente
em Comunicação Social; professor da USP, UMESP
e IMES.