Comunicação corporativa/empresarial

:: As duas caras da Comunicação Empresarial brasileira

Wilson da Costa Bueno*

      A Comunicação Empresarial parece ter duas caras distintas.
      A primeira delas pode ser vista com facilidade nos discursos das empresas e de seus representantes (diretores, gerentes, chefes etc), particularmente em eventos onde a relação entre os organizadores e as empresas ou entidades que os patrocinam é promíscua (há empresas e, sobretudo, agências de comunicação pagando para relatar os cases de seus clientes, numa afronta aos congressistas, que ignoram este acordo e acreditam estar tomando contato com o que há de mais inovador no mercado!). Neste caso, tudo corre perfeitamente nas organizações: a autonomia dos executivos de comunicação é irrestrita, assim como é amplo o espaço para participação dos funcionários (eufemísticamente denominados de colaboradores). As verbas para as atividades de comunicação são generosas e, efetivamente, a comunicação é vista como estratégica e integrada (mas que beleza!).
      Os que são expostos a este "blá-blá-blá" empresarial, certamente, estarão propensos a acreditar que o universo empresarial se caracteriza por uma autêntica democracia. Há profissionais incautos que, ao assistirem palestras nestes eventos, saem por aí entusiasmados: "puxa, é nessa empresa que eu gostaria de trabalhar!".
      Aí está uma cara falsa, submetida a inúmeras cirurgias plásticas, borrada de maquilagem para esconder os defeitos, retocada no computador, como aquelas "beldades" que comparecem nas revistas masculinas e que parecem não ter nada fora do lugar.
      Há, no entanto, uma outra face da Comunicação Empresarial menos risonha. Ela reflete, sem dúvida, a verdadeira realidade das organizações empresariais brasileiras, onde a censura e auto-censura permanecem vivas, onde o comunicador (seja ele, jornalista, relações públicas, publicitário etc) se defronta com inúmeros obstáculos para exercer a sua atividade, onde as verbas costumam ser escassas (para a comunicação interna, quase sempre inexistente!) e a ética e a transparência são agredidas a cada momento.
      Nestes tempos bicudos, a situação tem sido ainda mais constrangedora, com a ameaça permanente de demissões, equipes prá lá de enxutas e muita pressão por resultados. Um estresse enorme, com pouco reconhecimento.
      Quem trabalha ou já trabalhou em organizações empresariais (sejam elas de prestígio ou não) sabe que, excetuadas as honrosas exceções, a democracia interna é uma ficção. O profissional de comunicação, muitas vezes, tem se submetido a ingerências indevidas de quem não é do ramo e que confunde comunicação com controle da informação e responsabilidade social com marketing (no mau sentido). Infelizmente, para manter o emprego, os colegas precisam fechar os olhos e a boca e os desmandos continuam sendo preservados a quatro paredes, o que contribui para que essa hipocrisia se fortaleça.
      Algumas pesquisas, muitas delas realizadas por entidades importantes, que poderiam dar um retrato mais aproximado do que efetivamente acontece, acabam caindo na armadilha de ouvir os chefes, os responsáveis pela comunicação das empresas, que, falando em nome das suas organizações, pintam um quadro absolutamente cor-de-rosa. Eles estão mais preocupados em "criar uma imagem positiva" (para eles mesmos!) do que em contar a verdade, que acaba sendo revelada em papos informais, fora do ambiente da empresa. E essa verdade é doída demais!
      Uma dessas pesquisas, bem recente, sobre a comunicação interna nas organizações, traçou um cenário auspicioso (todas as empresas são "as melhores para se trabalhar) , quando a realidade é exatamente o inverso. Talvez fosse razoável (isso não ocorre aos que têm organizado as pesquisas, talvez porque eles queiram mesmo obter resultados que agradem às empresas!) fazer as mesmas perguntas aos funcionários (e não aos chefes!), porque, se eles tiverem liberdade, contarão exatamente o que está acontecendo nas organizações brasileiras. O quadro está mais prá cinza ou negro do que para cor-de-rosa, não há dúvida alguma.
      Sem retoque, sem manipulação, a cara da Comunicação Empresarial não é tão bonita como estão querendo pintar por aí.
      Entidades , que têm compromisso com as empresas associadas, executivos que vendem o seu trabalho e a sua consciência para as organizações, eventos com finalidades meramente comerciais, não podem mesmo exercer uma postura crítica. O mercado de Comunicação Empresarial se ressente desta independência e, por isso, continua pecando pela hipocrisia.
      Tudo bem: se examinarmos com atenção, respaldados em uma perspectiva histórica, veremos que a Comunicação Empresarial evoluiu bastante, sobretudo se comparada à que vigorava há 20 anos, mas estamos longe do ideal. Poucas empresas e poucos profissionais podem, sinceramente, festejar a Comunicação Empresarial que praticam: a maioria tem queixas imensas e se sente constrangida com o trabalho que realiza porque, em geral, tem um perfil bastante diverso do que se poderia esperar.
      Cabe à Academia e aos profissionais independentes exercerem esta postura crítica . A maioria das nossas entidades da área e dos profissionais está de mãos atadas. Eles dependem, respectivamente, do pagamento das empresas associadas e do seu emprego. Dá para entender os motivos pelos quais preferem jogar a sujeira pra debaixo do tapete e proclamar apenas os sucessos (muitas vezes, mentirosos) das organizações. Quem tem o privilégio de estar fora deste jogo, tem o dever de bocar a boa no trambone. Tem que denunciar os que vivem para louvar o rei e não, para reconhecer os direitos dos súditos. Se não agirmos desta forma, estaremos contribuindo muito pouco para o incremento da massa crítica na Comunicação Empresarial e muito menos ainda para a consolidação da democracia. É preciso, de uma vez por todas, tirarmos as máscaras que cobrem a Comunicação Empresarial brasileira. A gente quer uma Comunicação Empresarial de cara limpa.

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* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

 
 
 
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