Wilson da Costa Bueno*
Mesmo um observador
menos atento já percebeu, há algum tempo,
que o merchandising invadiu a televisão brasileira
e que, sobretudo nas novelas, a presença, nada sutil,
de produtos e marcas, é uma constante.
Os anunciantes, as agências
de propaganda e mesmo os veículos têm "embarcado
cada vez mais nessa onda", driblando, ao mesmo tempo,
a restrição dos intervalos comerciais tradicionais
e a vigilância do consumidor.
A novela " Celebridades",
por exemplo, tem sido um laboratório para ações
de merchandising na televisão, com a participação
de empresas e marcas de prestígio, como a Natura,
a Gatorade, a Intelig Telecom e a Forum, só para
citar alguns dos casos mais evidentes. Em todos eles, a
idéia básica é valer-se do enredo,
de personagens e situações específicas,
para dar mais visibilidade aos produtos e marcas. Há
que afirme que o merchandising, para muitos casos, funciona
mais do que a propaganda convencional.
Há, certamente,
dificuldades e desafios a serem enfrentados, mesmo porque
nem sempre o telespectador reage positivamente a estas interferências,
especialmente porque elas, efetivamente, podem provocar
irritação, quando não inseridas de
forma adequada.Uma pessoa inteligente percebe que a cena
ou situação se desvia do seu curso normal
para favorecer a exposição dos produtos e,
muitas vezes, ao invés de ter com eles uma empatia,
os descarta porque os enxerga como agentes de uma ação
invasora. Será que toda vez aquele personagem tem
que beber cerveja, usar determinado cosmético ou
colocar o seu "lindo ouvidinho" no celular?
Os veículos costumam
não prezar a qualidade de suas produções
e não é raro encontrarmos, na mídia,
declarações de diretores comerciais ou de
marketing que confessam ter adaptado formatos de programas
para receber mensagens comerciais. Em entrevista à
Gazeta Mercantil, o diretor de marketing da Record, Marcus
Vinicius Chisco, ao comentar a entrada no ar da novela Metamorphoses,
em março de 2004, garantia que foram elaborados vários
projetos para permitir a participação de empresas
na novela. Ou seja, o casamento entre marketing e produção
artística é cada vez mais perfeito. Quem vive
sob á égide do capitalismo (e quem não
vive?) não estranha mais essas coisas. Quem conhece
o apetite da mídia, é capaz de achar até
normal.
Há, porém,
um outro tipo de merchandising que tem crescido bastante
nos últimos anos , conhecido como merchadising social,
ou seja, a inserção de cenas, falas ou situações
em que se privilegiam temas sociais, como o combate ao alcoolismo,
a disseminação de informações
sobre os problemas causados pelas drogas, ou o estímulo
à doação de orgâos ou à
participação no programa Fome Zero.
A TV Globo informa que,
em 2003, incluiu, em suas telenovelas, 1.138 ações,
4% a mais do que no ano passado , destacando a prevenção
da Aids , o alerta contra o incremento do alcoolismo e a
proteção dos idosos, dentre outras ações.
A emissora cita números e opiniões que reforçam
a tese de que , por exemplo, a novela Mulheres Apaixonadas
deu contribuição importante para a aprovação
dos Estatutos do Idoso e do Desarmamento ou mesmo para a
lei que define como crime de violência doméstica
as agressões às mulheres. Esta novela detém,
até agora, o recorde de ações de merchandising
social na TV brasileira (623), vindo a seguir a Malhação
(227).
Em princípio,
deve-se louvar a iniciativa, porque não se pode ignorar
a influência que a televisão tem junto à
opinião pública, notadamente quando as mensagens
são claras, contextualizadas adequadamente, e podem
ser associadas a situações e personagens positivas.
É preciso apenas
cuidar para que este recurso não seja utilizado sem
o concurso de especialistas (psicólogos, antrópologos,
educadores, médicos etc, e que devem variar conforme
a ação a ser desenvolvida) para que, ao invés
de solucionar problemas, não os agrave ou mesmo se
criem outros.
Não se pode,
também, aceitar que emissoras utilizem ou propaguem
este tipo de inserções apenas para compensar
desvios éticos ou abusos comerciais cometidos na
grade geral de programação, como a exibição
de cenas violentas ou de sexo em horários impróprios
ou o estímulo ao preconceito, por exemplo.
Temos, insistemente,
denunciado a rede Globo pelo abuso do poder econômico,
impedindo que a população tenha acesso a transmissões
esportivas (jogos de futebol ou partidas de tênis
do Guga) ou mesmo pressionando para que entidades não
promovam ações (mesmo sociais) em outras emissoras,
como denunciado recentemente por concorrentes.
O merchandising social
pode funcionar, se realizado com inteligência e adequação,
mas deve ser antes uma ação de cidadania do
que de marketing. Ao que parece, pelo menos a Globo, ainda
que louvemos a sua iniciativa , parece não saber
distinguir entre essas duas coisas.
Fica a sugestão
de que o merchandising social esteja presente não
apenas em outras emissoras, mas também em outra programação
que não sejam as telenovelas. Os programas infantis
e os de debates, o telejornalismo etc poderiam incorporar,
também, ações deste tipo. Como eles
atingem a públicos determinados, com perfis muitas
vezes distintos do que caracteriza o consumidor de telenovelas,
o efeito poderia ser ampliado, abrangendo um elenco diversificado
de temas. Quando as emissoras passarem a incorporar, de
verdade, a responsabilidade social como proposta prioritária,
talvez (sonhar vale?), a gente encontre mensagens na televisão
defendendo a qualidade da programação na mídia
brasileira. Esse seria o merchandising social (sobretudo
se acompanhado de uma prática efetiva) que estamos
esperando, há algum tempo, da TV brasileira. Enquanto
isso, vamos puxar a cadeira, porque de pé cansa.
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* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor
do programa de Pós-Graduação em Comunicação
Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto
Comunicação e Pesquisa.