Wilson da Costa Bueno*
O discurso e a prática
da Comunicação Empresarial brasileira abrigam,
infelizmente, algumas expressões (que se pretendem
conceitos e verdades) manipuladas, com cinismo, por profissionais
e empresas. Dentre elas, destacam-se os de Responsabilidade
Social, Empresa Cidadã, Comunicação
Estratégica e Comunicação Integrada.
Não há empresa, governo ou entidade que não
tenha, hoje, estas características como seus principais
atributos. Todos são socialmente responsáveis
ou cidadãos, concebem a comunicação
de maneira estratégica e dispõem de uma comunicação
integrada. Este papo vazio tem sido constantemente repetido
nas falas dos executivos (inclusive e, principalmente, de
comunicação), nas apresentações
dos congressos da área, nos cases de sucesso em comunicação
empresarial ou nas premiações, mesmo quando
está patente a falta de sintonia entre o discurso
e a prática empresarial. Muitos destes profissionais
acabam "batendo" nas universidades e repetem esta
ladainha para os estudantes, afrontando o espírito
crítico e comprometendo a formação
das futuras gerações de comunicadores empresariais.
Não devemos ter
receio de botar o dedo na ferida. Pode a indústria
tabagista, responsável por centenas de milhares de
mortes por ano em todo o mundo, apenas porque mantém
uma creche, patrocina eventos (dinheiro ela tem mesmo à
custa da nossa saúde!), proclamar-se cidadã?
Podem a indústria de bebidas e de armas e mesmo algumas
empresas farmacêuticas, que nos agridem com suas propagandas
enganosas, colocar a faixa de cidadania no peito? E o que
dizer das agências de comunicação e
de propaganda que patrocinam estas fraudes? E das empresas
poluidoras, as que mais investem no chamado "marketing
verde"? Como aceitar que entidades (quase sempre controladas
por essas mesmas empresas) as contemplem com prêmios
de responsabilidade social, de excelência ambiental
ou de comunicação empresarial, sem que nos
indignemos?
É chegada a hora
de fazermos uma autocrítica e , de uma vez por todas,
darmos um basta a esta hipocrisia. Se nós, comunicadores
empresariais, não separarmos o joio do trigo, quem
o fará? Certamente, não concordamos com a
tese de que "dinheiro não tem cor ou cheiro"
e que "cliente é cliente", seja ele qual
for. Logo, quem não respeita o consumidor, e a sociedade
de maneira geral, deve ser colocado no "paredão"da
opinião pública. Em nome da cidadania, não
se pode tolerar esta convivência promíscua
entre organizações e entidades socialmente
irresponsáveis e agências de comunicação.
Quem colabora com o bandido, está sujeito à
mesma pena.
O conceito de comunicação
integrada, ao que parece, está indo pelo mesmo caminho.
Toda agência, hoje, é de comunicação
integrada, uma palavra mágica para dizer, provavelmente,
que ela "faz qualquer negócio" ou que pratica
a política do "o que cair na rede, é
peixe". Calma aí, pessoal. Levando ao pé
da letra, a comunicação integrada significa
não apenas que as atividades de comunicação
estão articuladas, mas que elas se integram ao processo
de gestão, de planejamento, de marketing e que obedecem
a uma política e diretrizes comuns. Quantas empresas
(e quantas agências de comunicação)
podem, efetivamente, dizer que isso ocorre?
Quase sempre, em uma
organização (pelo menos a maioria que a gente
conhece por aqui), nem ao menos a comunicação
interna e a externa estão articuladas (não
gostamos destes termos porque eles, quando praticados, já
sugerem uma falta de integração, como se fossem
duas instâncias distintas de comunicação).
Além disso, cultiva-se, ainda na Comunicação
Empresarial, uma rejeição às atividades
de marketing e vendas, como se fosse possível ( e
razoável) separar o institucional do mercadológico.
Se formos ainda mais fundo, veremos que os preconceitos
e incompreensões existem mesmo entre os profissionais
de comunicação (ou você já não
ouviu falar que o jornalista vê chifre em cabeça
de cavalo, que o publicitário desperdiça dinheiro
do cliente e que o Relações Públicas
não passa de um tremendo puxa-saco?) Integrar o quê,
cara pálida, se a realidade a que estamos assistindo
é bem outra: uma disputa intensa entre áreas
e profissionais, eivada de equívocos e preconceitos,
um embate ruidoso de egos e uma ausência total de
espírito crítico e de uma perspectiva abrangente
do universo da Comunicação Empresarial. Não
podemos ser integrados, se ao menos não nos dispusermos
a ser solidários e a entender o outro. Em Comunicação
(que tem a mesma origem da palavra comunhão), integrar
significa estar junto, partilhar e, certamente, é
o que menos estamos dispostos a fazer na área.
Estamos integrando muito
pouco porque, desde as escolas de Comunicação,
fomos divididos em sub-áreas, que nos remetem a diplomas
específicos , a conteúdos segmentados e a
uma visão equivocada do outro. As empresas integram
muito pouco porque , na prática, na área de
comunicação e gestão, com as exceções
a serem saudadas (até porque são muito poucas!),
privilegiam o controle, a censura, o desestímulo
à participação etc.
O profissional de Comunicação
Empresarial que, nos encontros reservados, se queixa da
falta de autonomia, da mão pesada dos chefes, das
pressões por resultados a qualquer custo, não
deveria continuar sustentando esta farsa, quando se coloca
como porta-voz das empresas em palestras e cases. Poucas
organizações estão dispostas a integrar
e, portanto, a comunicação, reflexo da cultura
organizacional e desta disposição humana,
não pode, como andam dizendo por aí , ser
verdadeiramente integrada.
Há uma diferença
importante entre acreditar que a comunicação
integrada (com todos as características que apontamos
aqui) é a melhor solução (também
acreditamos nisso!) e imaginar que isso já acontece
em nosso País. Estamos longe, muito longe, de alcançarmos
este patamar. Podemos até chegar à conclusão
de que, com a mentalidade empresarial que ainda vigora,
e de que, com a falta de independência de parcela
significativa de nossos profissionais de comunicação,
esta integração (ideal, democrática,
saudável) nunca acontecerá. Mas preferimos
ser otimistas e, portanto , combativos, pois só lutamos
quando acreditamos em algo e imaginamos que será
possível realizá-lo. A comunicação
integrada tem que ser pra valer. Assim como a responsabilidade
social, a comunicação estratégica etc.
Enquanto acreditarmos que a indústria tabagista e
de bebidas estão sendo sinceras, quando insistem
na moderação no fumar e no beber e houver
agências de propaganda/comunicação para
executar estas fraudes, a situação não
se modificará. Chega de hipocrisia. Quem trata a
comunicação integrada com respeito, não
deveria sair por aí usando o seu santo nome em vão.
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* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor
do programa de Pós-Graduação em Comunicação
Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto
Comunicação e Pesquisa.