*Wilson da Costa Bueno
A imagem e a reputação
das organizações constituem-se em ativos intangíveis
de grande valor e precisam ser constantemente monitoradas.
Isso significa que elas não podem ser deixadas "ao
deus dará" porque as redes costumam ser muito
sensíveis notadamente em momentos de crise. Imagem
e reputação devem seguir o exemplo dos botecos
bem sucedidos: estar o tempo todo sob o olhar do dono.
Mas como fazer isso, se as redes sociais (que incluem o
Orkut, o Facebook, o Twitter, a chamada blogosfera toda
- um blog a cada segundo - e muito mais), os grupos de discussão
costumam ser muito dinâmicas, arredias a qualquer
tentativa de análise?
Certamente o esforço não é pequeno
e não deve ser tentado por amadores, mas a velocidade
e a aceleração das informações
nas redes podem, a exemplo das corridas de cavalo, dos lances
espetaculares de uma partida de futebol, ser congeladas
num determinado momento. Estes flagrantes podem evidenciar
processos, realidades, tendências e são fundamentais
para compor a estratégia de defesa e fortalecimento
da imagem e da reputação das organizações.
As comunidades no Orkut, os perfis no Twitter, os endereços
dos blogs são públicos e podem ser resgatados
a partir de "sistemas de buscas" gerais ou específicos,
assim como é possível recuperar expressões,
palavras (por exemplo, nomes de organizações,
de marcas, de pessoas) valendo-se, quase sempre, de buscadores
associados a estes ambientes interacionais.
Os blogs podem ser acompanhados pelo Technorati, o Twitter
pelo Search Twitter e o próprio Orkut e o Facebook
têm internamente sistemas que permitem identificar
temas, pessoas etc. O mesmo vale para grupos de discussão
no Google, Yahoo, Grupos.com.br etc. Há sistemas
alternativos que também fazem esta varredura e até
empresas especializadas nesse mister.
Na prática, esta é a primeira etapa de um
trabalho de monitoramento das redes sociais, assim como
o clipping (impresso, eletrônico ou dos jornais on
line) é o início de um processo de auditoria
de imagem na mídia.
Mas é aí que começa a encrenca (alguém
pensou que seria fácil?). O problema não está
apenas em resgatar as mensagens (posts, tweetes, comentários,
e-mails etc) mas em definir uma forma ( metodologia é
a palavra mais indicada!) de avaliar o que se pretende.
Monitorar não signifiva apenas coletar dados, informações
mas sabê-los interpretá-los adequadamente.
Quantas organizações já têm hoje
esta competência?
Há várias perguntas que podem ser feitas
(e respondidas) e e que podem contribuir para a definição
de um roteiro para facilitar a construção
de um projeto de auditoria de imagem para as redes sociais
:
1) O que se deseja monitorar? A imagem/reputação
da organização? A imagem de marcas? A Imagem
de pessoas? É pra acompanhar apenas uma empresa ou
também os seus concorrentes?
A organização tem que ter os seus objetivos
absolutamente claros porque é a partir deles que
será organizado o resgate do material sobre ela,
definidas as palavras-chave nos sistemas de busca e assim
por diante. Um conselho: o negócio é ser seletivo
neste momento porque não adianta querer varrer tudo
porque se pode recuperar um volume tão grande de
informações e tão disperso que a análise
ficará comprometida. Seria incorrer no mesmo erro
que algumas assessorias/agências cometem na auditoria
de imagem na mídia quando confundem medição
de clipping com avaliação da presença
ou visibilidade das organizações. Busque e
avalie apenas o que é relevante, pertinente, estratégica.
Muita informação é diferente de boa
informação.
2) Que perspectiva ou perspectivas se pretende incorporar
na análise? Essencialmente qualitativa? Essencialmente
quantitativa? Ou, o que é o ideal , harmonizar as
perspectivas quantitativa e qualitativa porque é
necessário sempre saber quem fala, quanto fala, com
que públicos interage e com que grau de intensidade.
Isto feito, será possível estabelecer indicadores
de presença ou de menção nas redes
sociais (quantos falam e quantos são atingidos?),
avaliar a angulação das opiniões e
mensagens (positiva ou negativa), fazer a qualificação
das fontes (nível de influência que podem ter,
o que não é apenas ver quantos seguidores
uma determinada fonte tem no twitter), detalhar os temas
associados à organização etc etc.
3) O momento seguinte é criar um protocolo (tabelas,
escalas ) para sistematizar a coleta de dados, permitindo
agrupá-los segundo categorias previamente definidas.
Aqui entram o conhecimento e a criatividade do pesquisador/consultor,
sempre em sintonia com a proposta, os objetivos da organização.
Essa história de projeto padronizado de auditoria
não vale para o velho monitoramento da mídia
impresso e se mostra totalmente inadequado para as redes
sociais, muito mais fugidias e complexas.
4) Finalmente, é feita a análise propriamente
dita e que flui dos dados sistematizados, culminando com
uma série de conclusões e recomendações.
Tudo isto irá compor o relatório a ser encaminhado
à chefia ou interessados (se a auditoria é
feita pela equipe interna da organização)
ou ao cliente (se ela for realizada por agência ou
assessoria/consultoria terceirizada).
Uma dica fundamental: em todos os casos , será necessário
um período de teste para avaliar a consistência
das categorias de análise, a abrangência dos
sistemas de busca e mesmo a adequação dos
protocolos definidos para a consolidação dos
dados. É boa prática em pesquisa proceder
a um pré-teste para calibrar os instrumentos de análise
e ela se aplica (e como) também a esta situação
particular. Recomenda-se que este período não
seja muito reduzido porque estamos lidando com realidades
novas (os projetos tradicionais de auditoria já têm
sido há anos testados na prática, mas os que
envolvem as redes sociais, não) e a pressa, nesse
caso, é mais do que nunca inimiga da perfeição.
Esta deve ser buscada mas nunca será obtida nos trabalhos
em comunicação porque ela, assim como as ciências
humanas em geral, têm a mania de serem desobedientes,
rebeldes, com contornos às vezes surpreendentes,
não flagrados por instrumentos toscos.
Há equívocos recorrentes e que podem (e costumam)
ser cometidos nos projetos de monitoramento das redes sociais
mas, dado o escopo deste artigo, vamos mencionar apenas
três deles, talvez os principais: a) fazer este acompanhamento
por um período curto ou esporadicamente e não
vê-lo com uma perspectiva essencialmente estratégica;
b) ter como objetivo o desejo de neutralizar /calar as vozes
divergentes - pressionar os adversários nas redes
sociais; c) ignorar que as redes sociais não podem
ser controladas porque não têm fim ou começo,
grandes líderes etc.
No primeiro caso, não se pode repetir o erro de
organizações que contratam, de vez em quando,
projetos de auditoria de imagem apenas como mero registro
ou curiosidade. Ou a auditoria vai ser feita sistematicamente
para permitir a intervenção imediata ou ela
não tem qualquer valor estratégico. Se é
para avaliar a "brincadeira" tem que ser para
sempre porque organização séria não
brinca de faz de conta, tipo "vamos ver o que estão
falando da gente na rede"?
Já a intenção de descobrir e silenciar
as vozes discordantes, que impactam a imagem ou reputação
das organizações, não faz muito sentido
porque as redes sociais costumam funcionar como uma Rádio
Peão planetária , muito sensível ao
autoritarismo, à falta de sensibilidade ou à
tentativa de pressionar blogueiros, twitteiros etc. Muitas
vezes é isso mesmo que desejam aqueles que têm
opinião contrária. O ideal é que a
organização tenha humildade, inteligência
e que tente descobrir os motivos , as razões pelas
quais aquela informação, posição
etc está sendo veiculada. Muitas organizações
correm atrás dos efeitos e se esquecem de resolver
as causas.
É sempre bom não esquecer (vale como exemplo):
os twitteiros , blogueiros ou integrantes de um grupo de
discussão (as tribos cibernéticas) falam mal
do Speedy porque ele dá apagões sucessivos,
vociferam contra os bancos porque eles cobram juros extorsivos,
detonam as agroquímicas por elas emporcalham o meio
ambiente com o veneno que fabricam. Ou são como eu:
colocam a Monsanto, Souza Cruz, farmacêuticas ou o
amianto na berlinda porque são, respectivamente,
empresas e produto que andam repetidamente pisando na bola,
penalizando os cidadãos. E os exemplos não
ficam por aí, infelizmente, porque podemos citar
a arrogância da comunicação da Vale
e da Petrobras, o descaso das empresas aéreas com
os seus clientes , o preconceito do Carrefour contra negros
e homossexuais e os sucessivos crimes de assédio
moral da Ambev. A lista é imensa e não dá
para finalizá-la aqui. Mas as redes sociais se incumbem
de punir exemplarmente as empresas que cometem deslizes
éticos, afrontam o meio ambiente e maltratam os seus
próprios funcionários (A Embraer deu de uma
vez só uma facada nas costas de 4.200 "colaboradores"
e achava que ia ficar de graça?).
Por fim, as organizações precisam estar cientes
de que as formas de controle tradicionais não funcionam
aqui (é muito mais fácil cooptar certos empresários
de comunicação prometendo anúncios
para impedir que os seus veículos falem mal das organizações!).
Levar os integrantes das redes sociais para os tribunais,
usar a mão forte da censura para impedir que falem
delas, pedir o fechamento de comunidades no Orkut etc só
ajuda a aumentar as labaredas, funciona como combustível
para as redes sociais.
Há muitos desafios a enfrentar mas é melhor
que as organizações comecem a se capacitar
agora para essa luta e mudem de postura: a época
do conforto institucional acabou. As redes sociais terão
cada vez mais gente, serão cada vez mais críticas
e perdoarão cada vez menos as mazelas, os desrespeitos,
a truculência e a falta de competência ou profissionalismo
das organizações. Ao contrário do que
se pode imaginar, lidar com as redes sociais não
é tarefa para amadores.
Ou as estruturas (e posturas) de comunicação
das organizações assumem definitivamente um
perfil estratégico, respaldado em bancos de dados,
metodologias refinadas, visão abrangente e compromisso
com o bom relacionamento com os públicos de interesse
ou estarão correndo sério risco de esvaziamento
ou deterioração.
O jogo está aí para ser jogado. Para vencer
nas redes sociais, o segredo não está na força,
mas na inteligência, na criatividade, no talento em
comunicação.
A onça definitivamente vai beber água. Os
profissionais éticos e que não perdoam o amadorismo
em comunicação estarão, como eu, em
cima da árvore, à beira do rio, vendo as organizações
incompetentes, autoritárias, não profissionais
que se aproximam incautas do formidável felino. As
redes sociais costumam pegar estas organizações
na jugular. É morte certa. Mas de agora em diante,
ninguém pode alegar que foi por falta de aviso. E
uma dica final: pior do que não ver a onça
e ser por ela atacada é cutucá-la com vara
curta. Pode ser fatal.
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*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor
do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
Social da UMESP e professor de Jornalismo da ECA/USP. Diretor
da Comtexto Comunicação e Pesquisa.