Auditoria de imagem

:: Os equívocos na construção de um projeto de Auditoria de Imagem das organizações

Wilson da Costa Bueno*

     Ninguém pode negar que os meios de comunicação têm um impacto considerável na formação da imagem e da reputação das organizações e mesmo das pessoas, sobretudo as figuras ditas públicas (ou celebridades).

Volta e meia nos deparamos com embates importantes (que acabam inclusive chegando aos tribunais) entre veículos e organizações que, por diversos motivos, se viram envolvidas em reportagens sobre suas crises ou escândalos. O mesmo vale para parlamentares, membros do executivo, empresários ou profissionais. A querela entre a família Sarney e o Estadão ou dos inúmeros veículos (especialmente a Globo) com a Igreja Universal são bons exemplos recentes desta luta encarniçada, sangrenta, até mortal e que já vitimou inclusive jornalistas em todo o mundo (o colega Lúcio Flávio no Pará conhece bem a truculência de alguns empresários, inclusive dos que detêm o controle da mídia regional).

Como há uma relação entre imagem/reputação das organizações e a divulgação pela mídia, não sobra para elas, particularmente para as empresas privadas, outra alternativa a não ser a construção de uma relação saudável com a imprensa , não dando sobretudo motivos para freqüentá-la de maneira desfavorável (como fez o Carrefour que, em pleno ano do Brasil - França, andou espancando um colega negro movido por uma discriminação abominável , recebendo por isso paulada merecida da imprensa e da opinião pública).

As agências, assessorias de Comunicação e mesmo as equipes internas de Comunicação Empresarial nas organizações têm, ao longo do tempo, se convencido de que é fundamental monitorar a divulgação pela imprensa, com o objetivo de identificar os pontos fortes ou vulneráveis de sua presença (e também a de seus concorrentes) e da sua imagem na mídia.

Até aí tudo normal, mas a necessidade não faz a competência e ainda assistimos, na maioria dos casos, a um indisfarçável amadorismo na elaboração e aplicação de projetos de auditoria de imagem das organizações na mídia.

Em primeiro lugar, não se consideram apropriadamente os conceitos (especialmente os de imagem ou reputação) , o que implica em equívocos formidáveis, como confundir a imagem da organização nos veículos com a própria imagem da organização junto aos seus públicos de interesse. Calma aí, vamos devagar com o andor, minh gente, porque nem sempre (em alguns casos quase nunca) o que um público específico pensa sobre uma organização também específica coincide com o que dela se divulga em um veículo ou no conjunto dos veículos como um todo.

A imagem de uma organização na mídia é apenas um componente da imagem das organizações, contribui para formá-la mas a perspectiva de cada público é absolutamente privada, particular. Se alguma organização quiser saber como ela é percebida por um público específico, tem que sondar este público, não pode imaginar o que ele pensa lendo a mídia. Se fosse assim, seria fácil ( o que talvez fosse o desejo de algumas agências ou profissionais desta área), mas o buraco é mais em cima. Se fosse assim, algumas organizações poderiam sair por aí soltando fogos, porque a grande imprensa muitas vezes as favorece (louquinha por anúncios), mas não é isso que acontece.

Em segundo lugar, os projetos de auditoria de imagem costumam ser confundidos com medida/análise extensiva, exaustiva de clipping, sem que alguns critérios sejam observados neste processo. Há colegas que, na prática, querem apenas juntar recortes de jornais ou revistas ou mesmo programas de rádio e TV ou citações na web (sejam eles relevantes ou não) , privilegiando a quantidade em detrimento da qualidade. No fundo, há uma confusão conceitual e um oportunismo equivocado no mercado porque muitas assessorias de imprensa desejam apenas convencer os seus clientes/patrões que houve uma grande divulgação e que sua remuneração ou salário estão por isso justificados. Não levam a conta a segmentação, o perfil da audiência e dos veículos, a relação entre os objetivos de divulgação da organização ( e sua missão, seus valores, temas e posições estratégicos etc) porque estão interessados apenas em "acumular papel". Os empresários ou chefias que aceitam este embuste informacional merecem ser enganados porque não têm qualquer perspectiva crítica e não sabem avaliar a relação entre divulgação e negócio. Engolem qualquer coisa, são tão amadores como as assessorias e as empresas de auditoria de imagem que andam contratando.

Finalmente, os projetos de auditoria de imagem têm um vício quase insanável em relação à metodologia. Os problemas neste caso vão desde o processo de captação das mensagens a serem analisadas (o processo de clipagem por aqui é falho, para não dizer precário na maioria dos casos, apesar de um número significativo de clipadoras) até equívocos formidáveis, injustificados, de comparar espaço editorial com tabela de publicidade, como se informação e propaganda tivessem o mesmo DNA. Há empresas de grande porte que ainda aceitam isso e agências/assessorias importantes que costumam justificá-las, certamente porque não têm conhecimento algum do universo da comunicação e do sistema de produção jornalístico. Ou são mal intencionadas e querem confundir os clientes ou patrões. Você , colega internauta, é quem pode dar o veredicto final.

Muitos projetos de auditoria de imagem na mídia se baseiam em softwares padronizados (tipo "compre esse software e faça você mesmo o trabalho de auditoria de imagem"), como se fosse possível usar os mesmos parâmetros ou categorias para avaliar ações e estratégias de relacionamento com a mídia de organizações distintas. Imaginam aqueles que os conceberam que é possível utilizar a mesma estrutura de análise para avaliar a imagem da TAM, da Telefonica, da Petrobras ou da Embrapa, como se organizações diferentes não tivessem propostas de relacionamento com a mídia bastante particulares, dependentes de sua área de atuação, de sua cultura organizacional e mesmo de seus objetivos em relação à inserção na mídia.

Todo projeto de auditoria de imagem na mídia é singular, ou seja tem que estar sintonizado com a organização , de tal modo que não é a consultoria ou a agência sozinha que o concebe porque ele deve ser feito em parceria com o cliente e só funciona desta forma.

Além disso, é triste perceber que as organizações, sobretudo as empresas que atuam em um mercado competitivo, continuem fazendo auditorias de imagem individuais (que apenas as contemplem), sem levar em conta que, para serem instrumentos efetivos de inteligência em comunicação, precisam levar em conta os concorrentes. Mas você sabe por que elas fazem isso? Porque há gerentes, executivos de comunicação que temem descobrir que os seus concorrentes têm mais poder de fogo na mídia do que os da sua empresa e, com isso, se sentem ameaçados, podem perder o emprego. Em vez do diálogo interno com as direções para alterar a situação de desvantagem preferem fazer como o avestruz: enfiam a cabeça na areia. São estrategicamente covardes ou incompetentes.

A auditoria de imagem na mídia não pode ser vista como um mero registro de presença na mídia, mas como um instrumento sistemático, vigoroso de análise, que precisa ser repetido periodicamente (a periodicidade mensal é ideal para organizações com razoável esforço de divulgação) para que , observadas as lacunas ou os equívocos, elas possam intervir a tempo. Em momentos de crise, este monitoramento tem que ser diário ou permanente, fruto da aceleração do processo de divulgação pela web (os blogueiros e twitteiros não param um minuto para desespero das organizações). Se não for assim, a auditoria de imagem não cumpre sua função que é estratégica, não é tática ou operacional.

E aí fica mais um desafio a ser contemplado: auditar a imagem das organizações nas redes sociais, o que tem sido feito, infelizmente, mais por motivos de contrainformação e até de constrangimento à liberdade de expressão do que por autêntico exercício de inteligência em comunicação.

Felizmente, os amadores serão superados gradativamente, sobretudo à medida que empresários, chefias ou clientes começarem a perceber que montão de recortes ou releases não significa competência em relacionamento com a mídia e exigirem maior profissionalismo. Um dia, as chefias e clientes vão perceber que espaço editorial e comercial não são a mesma coisa, ainda que veículos não éticos insistam em tratá-los da mesma forma para aumentar os seus lucros, ao mesmo tempo que confessam a sua incompetência em produzir informação qualificada.

O amadorismo em Comunicação Empresarial está com os dias contados. Mais cedo ou mais tarde o mercado se dará conta dessa realidade. Enquanto isso, todos nós continuaremos recebendo releases sem foco, assistindo, estupefatos, à confusão entre informação e propaganda e vendo chefias ignorarem a auditoria de imagem como instrumento de inteligência em comunicação com receio de perderem os seus empregos.

A Comunicação Empresarial continua estratégica apenas no discurso. Na prática, temos ainda um imenso caminho a percorrer. Será melhor acelerarmos o passo. O mundo está girando cada vez mais rápido.

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* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

 
 
 
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