:: A prática desmente o discurso empresarial. Está mesmo difícil de aguentar

Wilson da Costa Bueno*

       Ao que parece, as empresas continuam proferindo um discurso vazio, pretensamente comprometido com a cidadania mas, na prática, buscam artifícios para driblar o consumidor, penalizar os cidadãos e ludibriar a opinião pública.
       Pelo menos duas notícias recentes, veiculadas com alarde pela mídia nacional (uma novidade porque, em geral, refém de agências e assessorias competentes, a imprensa anda capengando em sua postura crítica), reforçam o provérbio popular no que diz respeito às organizações : por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento.
       Uma dessas notícias, publicada no dia 31 de agosto de 2005, dava conta da multa aplicada pelo Governo para 32 empresas, condenadas por "maquiagem" de produtos, ou seja a prática condenável de reduzir o conteúdo das embalagens, sem as informações devidas ou adequadamente explicitadas para informar o consumidor.
       Nas mais de três dezenas de empresas citadas pela imprensa e que foram condenadas a uma multa total superior a 17 milhões de reais, estão multinacionais de respeito, entre empresas de alimentos, laboratórios farmacêuticos, representantes do setor de cosméticos e de produtos de limpeza etc, como a P & G, Gillette do Brasil, Nestlé, Boehring Ingelheim Brasil, Carrefour, Johnson & Johnson Industrial, Unilever, Kraft Foods Brasil, Danone, Pepsico do Brasil, Adria e outras menos votadas.
       Evidentemente, todas elas, ao serem consultadas, alegaram que nada têm a ver com a questão, foram injustiçadas e que vão recorrer . Como é de costume, também desancam o Governo, valendo-se do fato de que, neste momento, com mensalão e outros escândalos, ele está com a imagem um pouco turva junto à opinião pública.
       Não cabe aqui decidir quem está ou não com a razão, até porque é a Justiça (que nem sempre tem conseguido ser tão justa assim, pelo menos quando grandes interesses estão em jogo) quem dará a última palavra. Todos sabemos , enquanto consumidores, que, apesar do discurso contrário, da ideologia do "cliente é rei", somos afrontados a cada momento com propaganda enganosa, ações de marketing no pior sentido e desrespeito sem limites.
       Pode até ser que algumas dessas empresas tenham sido incluídas no conjunto de faltosas sem merecerem a acusação (até segunda ordem, continuamos acreditando no DPDC - Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor) ou que os crimes cometidos nem sejam iguais para todas elas. Mas o procedimento de "maquiar produtos" é conhecido e amplamente utilizado. Muitas empresas, quando não podem alterar o preço (a concorrência é grande e a grana é curta), preferem o artifício de oferecer um produto de menor tamanho ou volume ou qualidade. É esperar para ver, mas, sobretudo, de ficar de olho no lobby e na tentativa desesperada de desmentir (já houve empresa fazendo isso) visando limpar a imagem.
       A outra notícia atinge um das empresas também mencionadas acima: o Carrefour. O Ministério Público do Trabalho, em notícia também largamente divulgada pelos jornais a 31 de agosto de 2005, através da Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região, de Brasília, ajuizou na Justiça do Trabalho uma ação civil pública contra a empresa, listando oito acusações de discriminação. Pessoas obesas, um homossexual , entre outras situações que ferem a ética e a legislação, foram discriminados pelo Carrefour, que, como era de se esperar nesses casos, quando a divulgação chega à mídia, nega tudo. Vai existir recurso, o tempo vai passar e esperamos que a Justiça, que quase sempre tarda, não falhe desta vez, punindo a empresa, se for comprovado o seu dolo.
       Estamos fartos da conduta de laboratórios que veiculam propagandas enganosas (alguns já embutem o valor da multa - que virá a partir da ANVISA no custo da campanha!), de empresas agroquímicas que praticam o chamado "marketing verde", de bancos que insistem na ação cidadã, enquanto continuam extorquindo os correntistas com taxas de serviços absurdas e juros abusivos e de montadoras que andam anunciando "recall" (sinônimo de incompetência e de má fé!) a toda hora.
       A comunicação empresarial, que está a serviço desta malandragem toda, é também malandra, cínica e aética. Há agências e assessorias que subsidiam estas campanhas, avalancam esta divulgação e que, portanto, afrontam o consumidor e o cidadão, indicando que, pelo menos em termos de conduta, nada diferem dos clientes a quem atendem.
       Está na hora de dar um basta nisso, de denunciar profissionais e empresas irresponsáveis que estão comprometendo a saúde da comunicação empresarial brasileira. Agências e assessorias ricas, muitas delas multinacionais, mas sem qualquer compromisso com a ética. Gente que acha que vale tudo por dinheiro e que faz qualquer sacrifício (até da própria dignidade) para manter o cliente. Qualquer que seja o cliente.
       As empresas sérias (e existem muitas, felizmente) que nos desculpem. Mas é fundamental denunciar as que denigrem o mercado. Os exemplos de Duda Mendonça e das agências do sr. Marcus Valério estão vivos ainda para que a gente não se acautele. Precisamos salvar as frutas boas, extraindo as que andam podres. Ética na comunicação empresarial já!

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* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

 
 
 
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