Wilson da Costa Bueno*
"Nossos colaboradores são o maior patrimônio da empresa". Com certeza, se você já assistiu a algum vídeo empresarial, costuma ler house-organs empresariais, folhetos institucionais ou mesmo tem prestado atenção nos discursos de gerentes de RH em eventos da área, deve estar cansado desta frase, absolutamente hipócrita na maioria dos casos.
A prática não condiz com a realidade porque, sobretudo nesses momentos de crise, empresas, mesmo as mais prestigiadas, costumam se livrar dos seus "colaboradores" de maneira truculenta, como fez a Embraer semanas atrás, quando chutou sem dó os traseiros (ou foi punhalada nas costas?) de mais de 4.000 funcionários.
É por isso que devemos concordar com pesquisa recente, realizada pela consultoria de Recursos Humanos Gallup, junto a mais de mil pessoas da população economicamente ativa de diversas capitais brasileiras sobre o ato nobre de "vestir a camisa". O que a consultoria descobriu?
A verdade. A maioria dos funcionários não se compromete as organizações e se recusa terminantemente a vestir a camisa, exatamente porque não se identifica com elas (e deveriam?). E isso acontece por inúmeros motivos, desde o clima organizacional que não é nada saudável , ambientes que não privilegiam a comunicação interna e inclusive problemas relativos à falta de reconhecimento por parte da empresa. É aquela toada de sempre: o "colaborador" até que colabora, mas e onde está a contrapartida da empresa?
No fundo, é, como sabemos, uma questão de gestão de pessoas e de comunicação interna. Mas a gestão de pessoas e a comunicação estão vinculadas à cultura organizacional e, infelizmente, para boa parte das organizações, a gestão continua autoritária, com pouco incentivo à participação, assédio moral (será que a Ambev já resolveu o seu problema?) , desestímulo à divergência de idéias e opiniões (você conhece a frase: manda quem pode, obedece quem tem juízo?).
Nossas organizações, com raras exceções, continuam dinossáuricas em termos de gestão de pessoas e de comunicação interna, essa então a prima pobre da comunicação organizacional, mal tratada como uma Gata Borralheira nas mãos da bruxa malvada das chefias intermediárias.
No ano em que se comemora os 150 anos do livro emblemático de Charles Darwin que embasou a Teoria da Evolução como a que concebemos hoje, podemos concluir que o universo empresarial, no que diz respeito à gestão de pessoas e à comunicação interna, evoluiu muito pouco e ainda está agarrado a valores e posturas de séculos passados. Os tentilhões de Darwin eram mais evoluídos do que as cabecinhas de alguns "capatazes"de RH.
Uma organização moderna pratica a gestão do conhecimento (e valoriza também os seus funcionários menos graduados), tem chefias que promovem o diálogo, reconhece os esforços dos seus colaboradores e os incentiva, cria condições para um ambiente interno saudável e produtivo, convive com a diversidade e se caracteriza por uma comunicação interna democrática, transparente, ética.
Mas as nossas organizações (saudemos as exceções, é lógico, mas elas são muito poucas) preferem usar a chantagem da ameaça de demissão (se estiver descontente, há um montão de gente querendo o seu emprego!), demonizam a Rádio Peão (que apenas repercute o que está acontecendo internamente) e costumam buscar bodes expiatórios para justificar o mal estar interno .Isso é coisa do Sindicato, dizem elas, quando a gente sabe que os sindicatos andam mais pelegos do que nunca, com raríssimas exceções e muitos deles estão mais interessados em ocupar espaço nas estruturas governamentais do que em liderar os associados.
A comunicação interna anda um horror, reduzindo-se quase sempre a um veículo formal, absolutamente pausterizado, cosmético, repleto de baboseiras, mais um instrumento de convencimento (que não funciona) do que de interação. Os house-organs continuam repetindo a velha cantilena de "babar" sobre a empresa e principalmente sobre as chefias e direções, aquela história de "somos a melhor empresa para trabalhar", "ganhamos o selinho tal", "vencemos o prêmio de comunicação" etc etc. Enfim, uma hipocrisia e um cinismo que só enganam diretores e empresários acostumados a receber elogios porque têm um ego avantajado e preferem ouvir mentiras do que encarar a verdade.
Gerentes de comunicação interna talvez estejam concentrando seus esforços (muitos efetivamente não pensam em outra coisa) para ganhar prêmios de comunicação de entidades da área (puxa, sua empresa ainda não tem um? Todo mundo tem!), preocupados mais com o quadrinho na parede ou troféu em cima da mesa do que com a excelência do relacionamento com os "colaboradores".
Na verdade, quem não anda vestindo a camisa das organizações são as chefias e diretores que vestem a própria camisa, buscam sua promoção pessoal e descuidam dos relacionamentos com os públicos internos. São pródigos em arrumar justificativas para o descontentamento dos "colaboradores" (esse pessoal não quer saber de nada!) e incompetentes para planejar ações e processos concretos para qualificar a comunicação interna.
Funcionários desmotivados, com a auto-estima no chão, não podem mesmo (e não devem) vestir a camisa das organizações que lhes trata mal e que, na primeira oportunidade, lhes viram as costas, como fez a Embraer, uma empresa boa para fabricar aviões mas com um coração de aço, uma gestão de pessoas de fundo de quintal.
As empresas têm um discurso grandiloquente, pomposo, arrogante, mas não estão dispostas efetivamente ao diálogo e imaginam que, com papo mole, conseguem convencer-nos de suas "boas" intenções, mas são desmascaradas imediatamente quando a crise se aproxima.
Os funcionários só vestirão a camisa das organizações, quando se sentirem orgulhosos delas, comprometidos com os seus objetivos, missões, e reconhecidos internamente. O ato de vestir a camisa não depende apenas dos funcionários, mas da postura das organizações, da sua capacidade de envolvê-los, de conquistá-los. Não será com ameaça, com chicote que esse comprometimento será obtido e as organizações já deveriam ter percebido isso (afinal de contas, a ditadura - ou a ditabranda como prefere a Folha de S. Paulo - ficou defasada no tempo).
Não adiantam campanhas destinadas a fazer com que os funcionários vistam a camisa porque compromisso só se consegue com uma troca efetiva, com credibilidade, com confiança recíproca, com respeito e comunicação democrática.
Com certeza, chefias e organizações que estão nos lendo devem achar que tudo isso é utopia e continuarão a fazer como sempre fizeram: tratam mal os funcionários, avacalham a comunicação interna e depois gastam uma grana para se proclamarem socialmente responsáveis, cidadãs. Muitas delas estarão desde já empenhadas em fraudar pesquisas e comprar espaços para figurarem nos rankings das melhores empresas para trabalhar que enchem os cofres de revistas e consultorias todo final de ano.
A verdade é crua: os funcionários só vestirão a camisa quando isso valer a pena. Parece que muitas organizações andam oferecendo peças de vestuário de péssima qualidade e ninguém quer sair por aí exibindo essas coisas. Será que as organizações não querem colaborar com os "colaboradores"? Será pedir muito?
Em tempo 1: os funcionários que permaneceram na Embraer deveriam vestir a camisa?
Em tempo 2: cuidado com o exemplo das empresas que apareceram no suplemento do Estadão por ocasião da reportagem sobre a pesquisa do Ibope mencionada aqui. Talvez seja melhor consultar o Sindicato dos Metalúrgicos ou os funcionários diretamente para confirmar se a Volks é realmente aquela "Brastemp" mencionada na matéria. Quem se lembra do episódio da Autovisão, das demissões freqüentes, sabe que as coisas não são necessariamente como parecem ser. O jornalismo brasileiro, sobretudo nos suplementos de RH, continua patronal, oficialesco, louquinho para agradar grandes corporações e continuar merecendo anúncios. Há suplementos que são mais falsos e comprometidos do que muitos house-organs empresariais.
A reportagem tem cara de "pau mandado",com fotos cedidas pela área de comunicação da Volks, mas será muito mesmo pedir espírito crítico quando a intenção é mesmo bajular , procurar o "bom" exemplo. Pelo menos, ficou mais fácil fazer a matéria. O bom jornalismo ouviria o outro lado, mas o jornalismo anda pendendo para um lado só: o da grana e da preguiça. Ninguém vai poder dizer que o (a) repórter que fez a matéria não vestiu a camisa da Volks.
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* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor
do programa de Pós-Graduação em Comunicação
Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto
Comunicação e Pesquisa.