Assessoria de Imprensa
Auditoria de Imagem
Comunicação Corporativa
Comunicação e Consumo
Comunicação e Crise
Comunicação e Cultura Organizacionais
Comunicação Interna
Comunicação Mercadológica
Comunicação Sindical
CRM
Cultura Empresarial
Ensino de Comunicação
Ética Empresarial
Gestão Empresarial
Gestão do Conhecimento
Governança Corporativa
Jornalismo Ambiental
Identidade Visual / Design
Jornalismo Econômico
Jornalismo Científico
Jornalismo em Saúde
Jornalismo em Agribusiness
Legislação / Códigos de Ética
Jornalismo Empresarial
Marketing Cultural
Marca
Marketing Esportivo
Marketing Educacional
Marketing Social
Marketing Rural
Nova Economia
Publicidade / Propaganda
Qualidade
Relação entre jornalistas e cientistas
Terceiro Setor
Webmarketing
Responsabilidade Social
Marketing Político
Relações Públicas

 

Comunicação e Crise

:: O "recall" na (e da ) imprensa

*Wilson da Costa Bueno

      Parece brincadeira. Sai GM, entra Toyota. Sai Ford, entra Volks. Sai Volvo, entra Fiat e a corrida para a "Fórmula 1" da incompetência continua. Nenhuma montadora escapa da chamada "febre do recall", uma dor de cabeça permanente para infelizes proprietários de carros , vítimas da negligência dos fabricantes de veículos automotores. É a pastilha de freio que não funciona; o parafuso da suspensão dianteira que está com defeito; o módulo de controle do sistema de climatização que, imperfeito, embaça o pára-brisa; falhas no sistema de combustível e por aí vai. A Renault chegou em setembro em 2007 a fazer "recall" do Logan, apenas 2 meses depois de lançado. Não deu para checar antes ou a pressa continua sendo a inimiga da imperfeição?  Em todos os casos, a segurança do motorista fica comprometida. Será que tem que ser sempre assim?
      Segundo dados do IDEC - Instituto de Defesa do Consumidor, foram 48 recalls de automóveis entre 2006 e 2007 (os dados são de até 14/08/2007), ou seja mais de dois por mês num período de 20 meses. Convenhamos: o automóvel não é um produto barato (alguns com defeito custam mais de 50 mil reais) e tem sido responsável, por vários motivos (a indústria de bebidas, com suas campanhas cheias de pernas e bundas, responde por um deles), pela morte de centenas de milhares de jovens em todo mundo. Mereceria, portanto, maior atenção não apenas dos fabricantes de carros, mas das autoridades que vivem freqüentando espetáculos midiáticos de montadoras, com as costas voltadas para o problema do "recall", das campanhas publicitárias que continuam fazendo, irresponsávelmente, a apologia da velocidade (e tem gente que acha que as agências devem se auto-regular!) e mesmo a poluição provocada pelos veículos nas cidades brasileiras (haja efeito estufa!).
      A imprensa anda também fazendo o jogo errado nos processos de "recall". Na prática, ela cumpre o seu papel de promotora do interesse público ao divulgar a informação de que tal ou qual tipo de veículo, de tal e qual montadora, apresenta um defeito, convocando os tristes proprietários para a substituição das peças defeituosas. Mas isso é pouco e, na verdade, a mídia apenas vê um lado da história, favorecendo as montadoras que, com isso, lavam simplesmente as mãos. Repete-se aqui o argumento utilizado pela cínica indústria tabagista que confessa que o cigarro mata, continua promovendo a droga (lícita?) sobretudo entre as populações menos favorecidas e, quando contestada, joga o problema para cima do fumante. As montadoras fazem o mesmo. Elas raciocinam da seguinte forma, respaldadas pela cumplicidade do Governo, do Ministério Público, dos órgãos de defesa do consumidor e da própria sociedade: "bem, eu já avisei você sobre o problema, agora você se vira para solucioná-lo".
      Muita gente não se dá conta (as vítimas do recall certamente não ignoram o fato) de que, ao comprar um carro com defeito, terá o ônus de ir até uma concessionária e se submeter (no caso de São Paulo e das megalópoles) a filas intermináveis e a perdas de tempo e dinheiro que não são reembolsadas pelas montadoras. Muita gente (e a imprensa também) que há pessoas que não ficam sabendo do problema e permanece dirigindo os seus veículos, ameçando a sua vida e a de outros cidadãos.  Ou seja, no fim das contas, é o consumidor que está pagando pela incompetência, pela falta de controle de qualidade etc. Tem que ser assim?
      Estamos nos referindo a situações que são conhecidas porque, na história dos crimes corporativos, as fabricantes de veículos ocupam lugar proeminente ao lado da indústria da saúde pelo fato de terem escondido falhas nos seus produtos com o objetivo de não verem reduzidos os seus lucros. Você sabia que o PIB de algumas montadoras é maior do que o de alguns países ou mesmo de alguns estados brasileiros e que, mesmo assim, são os Estados que aliviam os impostos para atraí-las. Não há nada errado nesta lógica maluca do chamado capitalismo selvagem? Não deveria ser o contrário? Não soa estranho o governo paulista permitir a devolução para as montadoras de 4 bilhões de créditos do ICMS retidos nas exportações? Não parece esquisito que o BNDEs continue emprestando dinheiro a juros baixos para que as montadoras remodelem seu parque industrial e permaneçam chorando pelos cantos toda vez que o lucro cai? Outros setores desfrutam dos mesmos privilégios? Não daria para construir escolas e cuidar melhor da saúde com esse dinheiro que corre para as mãos de empresas ricas?
      A imprensa precisa também de um "recall". Não pode apenas anunciar o problema: deve cobrar respeito ao consumidor, exigir das autoridades maior rigor nesses casos e promover um debate amplo sobre a questão. Se você já foi vítima de um "recall" deve se lembrar do anúncio (a legislação deveria exigir anúncio de página inteira, espaço regular na mídia em geral para que doesse no bolso das montadoras) que comunica o recall, sempre lacônico e adjetivado. Há montadoras que aproveitam a confissão de sua incompetência para se proclamarem socialmente responsáveis. "Veja como sou boazinha, dizem elas, poderia - aqui é o país da impunidade - nem avisar você, mas estou fazendo isso".
      Está na hora de acabar com esta farra que se repete há muito tempo. O Governo  precisa inclusive proteger os compradores de carros usados porque muitos deles, sem saber (você lê todos os chamados de "recalls"?), estão adquirindo automóveis com defeitos. Você sabia que mesmo as revendedoras autorizadas pelas montadoras vendem carros usados com problemas porque os seus proprietários não atenderam ao chamado do "recall"? Quantos automóveis com problemas (e sérios) estão andando pelas ruas sem que ninguém faça nada?
      Talvez não seja mesmo de surpreender que o número de "recall"em outros setores (até de brinquedos agora!) esteja também crescendo. A impunidade estimula a irresponsabilidade empresarial.
       A imprensa, as autoridades e a sociedade precisam enquadrar de vez as montadoras. Se elas destinassem um pouco, um pouco apenas da verba fantástica que utilizam em suas campanhas publicitárias para aumentar o controle de qualidade de seus produtos, a febre do "recall" diminuiria. Carros com defeito matam e deixam as pessoas com seqüelas. A responsabilidade social começa dentro de casa. Mas não pode ser, como parece, a "casa da mãe Joana". Talvez seja a hora de a imprensa, que anda pouco investigativa, apertar o parafuso da consciência , botar mais combustível na redação e exigir que as montadoras pisem no freio da negligência. Quem conhece, não confia.

--------------------------------------------------------------------------------

*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e professor de Jornalismo da ECA/USP. Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

 
 
 
Website desenvolvido e hospedagem por @ms public
 
Home