*Wilson da Costa Bueno
Muitos empresários e mesmo executivos de Comunicação, o que é certamente mais crítico, têm uma visão bastante equivocada sobre o que venha a ser uma Política de Comunicação e costumam confundi-la com outras coisas, certamente porque, com isso, podem justificar algumas posturas.
Na verdade, não sabem mesmo o que ela significa, acreditando que basta ter na cabeça algumas normas e princípios e pronto: "temos por aqui uma Política de Comunicação consolidada e trabalhamos com a perspectiva estratégica da comunicação integrada". Você já ouviu essa conversa mole algumas vezes, não ouviu? Pois é, ela não é repetida apenas internamente nas organizações, mas tem freqüentado inclusive os maiores eventos da área, constituindo aquela ladainha tediosa que culmina com o vídeo institucional proclamando os "colaboradores como o nosso maior patrimônio".
Está na hora, já que a comunicação empresarial ganhou ares de coisa séria (e é mesmo estratégica em um punhado de organizações brasileiras), de definirmos melhor os conceitos, superando o velho patamar do impressionismo, das expressões vazias (você já percebeu como se fala em sustentabilidade sem a maior parcimônia, como se fosse a camisa que se veste ou a sandália que se calça?) que ainda caracteriza o mercado brasileiro?
A Política de Comunicação não é apenas uma intenção que se manifesta, mas um compromisso que se assume e ela não vigora apenas no discurso, mas pressupõe um trabalho sério, de construção coletiva. Tem gente que acha possível fazer uma Política de Comunicação da noite para o dia e não é difícil encontrar executivos de comunicação, ao mesmo tempo arrogantes e pouco informados, que se gabam de ter escrito a Política da Comunicação da sua empresa durante a madrugada. Com certeza, um remedinho a mais (nossos executivos andam mesmo estressados) ou uma bebidinha que desce redonda pode levar determinadas pessoas a acreditar nesses milagres que acontecem na calada da noite. Mas não é assim não que as políticas de comunicação (pelo menos as sérias) acontecem, pode crer.
A Política de Comunicação começa com uma decisão da cúpula, da alta administração, e está sempre alicerçada em várias necessidades reais (aumentar a visibilidade da organização na mídia, melhor relacionamento com os públicos de interesse, consolidar a imagem ou reputação e, quase sempre, dar uma mexida profunda na comunicação interna, entre outros objetivos ) e, obrigatoriamente, deve envolver os profissionais de comunicação, todos eles, de uma organização. Pera aí, mas não só eles. Uma Política de Comunicação não serve apenas para a comunicação, mas permeia todos os setores de uma organização e, portanto, se você está cogitando de construir uma será melhor, indispensável, convocar os colegas do Marketing, dos Recursos Humanos, do Planejamento, da Tecnologia da Informação, mas também os vendedores, sem se esquecer jamais da turma muitas vezes sisuda do Financeiro. Sim, porque não se contrói uma Política de Comunicação com giz ou cuspe, é necessário dispor de recursos e eles podem ser, dependendo do porte da organização, nada desprezíveis.
Decidida a construção da Política de Comunicação, algumas coisas se tornam absolutamente importantes, sem o que tudo não passará de um exercício (em algumas organizações muito doloroso) que não leva a nada. Em primeiro lugar, uma empresa ou entidade não pode ter política alguma, sem uma mudança importante na maneira pela qual contempla a comunicação. E aí é que começam os problemas. Se a comunicação não é efetivamente estratégica, nada feito. Aliás, não faz sentido ter uma Política de Comunicação, se a organização não sabe lá muito bem para que serve a comunicação, se a encara como despesa e não como investimento, se vê o processo de se abrir para a sociedade mais como ameaça do que como oportunidade. Uma coisa é clara e precisa ser dita com todas as letras: há empresas, eu diria a maioria delas, que não merece ter uma Política de Comunicação porque pratica um conceito velho, ultrapassado, dinossáurico de comunicação, ou seja confunde comunicação com informação, não aceita a pluralidade de idéias e opiniões e continua achando que "funcionário não foi contratado para dar opinião, mas para seguir as ordens do chefe".
Você sabe, tanto como eu, que há organizações que vêem a comunicação como um estorvo e estão na mesma situação daqueles jogadores de futebol, pernas de pau, que se atrapalham com a bola. Elas podem ter uma Política de Comunicação? Lógico que não.
Uma Política de Comunicação parte, obrigatoriamente, de uma constatação óbvia, mas difícil de engolir e mais ainda difícil de praticar: numa organização, todas as pessoas são responsáveis pela comunicação. Não são apenas os profissionais de comunicação (importantíssimos, ninguém duvida, muito menos eu) que mantêm contato com os stakeholders, mas todos (vendedores, secretárias, telefonistas, motoristas, pessoal da segurança, o colega do chão de fábrica etc etc) os funcionários (detesto esse negócio de colaboradores porque soa mesmo falso, hipócrita demais porque há organizações com as quais ninguém quer colaborar). Não adianta ter uma revista maravilhosa, daquelas que ganham Prêmio Aberje, e um atendimento telefônico de fundo de quintal, um relacionamento complicado com a imprensa (vista como adversária) e uma postura não democrática, transparente de relacionamento com os clientes e a comunidade. Não se pode ficar por aí praticando a novidade do marketing viral, durante a campanha de lançamento de um novo carro, e desrespeitar os consumidores, mutilando os seus dedos no banco traseiro. Não se pode ficar proclamando a quatro ventos uma pretensa responsabilidade social e continuar vendendo remédio perigoso, proibido lá fora. Não se pode entupir a natureza de veneno e sair por aí dizendo que é sustentável, esta prática horrorosa e cínica do chamado "marketing verde". Enfim, uma Política de Comunicação parte da necessidade de se criar uma autêntica "cultura de comunicação", quer dizer, ou todo mundo se compromete ou não vai funcionar.
Uma Política de Comunicação respeita as competências de cada pessoa ou profissional, mas deve colocar abaixo aquele monte de "caixinhas" do organograma, que só servem para definir relações de poder e prestígio e tornar burocrático o processo de tomada de decisões.
Mas tem gente ( como tem) que continua achando que a Política de Comunicação é um montão de frases bonitas (é mais fácil encontrar redatores excelentes do que gestores de comunicação razoáveis) e que bastam duas ou três reuniões, algumas expressões da moda, e uma lábia adocicada para se produzir uma Política de Comunicação que será aplaudida pelo mercado. Você será capaz de encontrar Política de Comunicação que só é do conhecimento do profissional de comunicação que a escreveu e do seu chefe imediato, que, um determinado dia, deu a ordem para que ela fosse feita ("Todo mundo tem uma Política de Comunicação e nós também precisamos de uma. Dê um jeito nisso, quero uma na minha mesa na semana que vem"). Puxa, gente, não é assim não, o buraco é mais em cima.
Uma Política de Comunicação exige, para ser construída, um esforço conjunto, um diálogo franco entre os vários setores, um compromisso em nome da excelência do processo de relacionamento com os diversos públicos e não pode resumir-se a um texto bonito que irá depois virar um documento, certamente bem impresso, mas cujos princípios e valores não serão internalizados, não serão assumidos por ninguém.
Uma Política de Comunicação requer uma metodologia específica, pode incluir a construção de cenários e a realização de diagnósticos ou mesmo auditorias de comunicação, internas e externas e, portanto, não é um trabalho para ser feito solitariamente por um gerente bem intencionado a toque de caixa.
Temos dois bons exemplos no mercado: um já distante, mas que foi emblemático e que sempre deve ser lembrado: o Plano de Comunicação Social da Rhodia (naquela época se chamava Política de Plano, mas há uma diferença importante entre Plano e Política, como sabemos hoje), coordenado por Walter Nori, quando Edson Vaz Musa era o presidente da empresa, lá pelos idos da década de 80; e a Política de Comunicação da Embrapa, referência para todo mundo que trabalha na área. Nos dois casos, elas partiram de necessidades reais (imagina o problemão da Rhodia com a contaminação em Cubatão!), envolveram os diversos setores da empresa e tiveram à frente profissionais de comunicação competentes. Mais ainda: os presidentes bateram o martelo, acompanharam e validaram todo o processo (é preciso citar, já que fizemos isso para a Rhodia, o papel fundamental desempenhado por Alberto Duque Portugal, presidente da Embrapa, à época da constituição das primeiras versões da Política), ou seja, sem vontade política não se estabelece e se garante Política de Comunicação alguma.
E não devemos também esquecer de uma coisa importante: uma Política de Comunicação precisa ser sempre atualizada; logo, quando se começa com uma, não se pode parar mais, sob pena de ser atropelado pela mudança das condições, dos contextos em que ela originalmente foi gerada. O mercado, a sociedade e também a comunicação mudam cada vez mais rapidamente e não é possível conservar a Política de Comunicação fresquinha na geladeira. Política de Comunicação boa precisa estar sempre pegando fogo, se possível antecipando-se aos acontecimentos, pró-ativa em sua proposta e execução. Esse negócio de fazer a Política ontem e requentá-la amanhã nunca vai dar certo. Logo, é compromisso mesmo, investimento mesmo. Se a sua empresa, o seu chefe, não estiver disposto a isso, que vá plantar batatas. Política de Comunicação não é mesmo para qualquer um. Agora, você já pode explicar para ele.
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*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor
do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
Social da UMESP e professor de Jornalismo da ECA/USP. Diretor
da Comtexto Comunicação e Pesquisa.