Assessoria de Imprensa
Auditoria de Imagem
Comunicação Corporativa
Comunicação e Consumo
Comunicação e Crise
Comunicação e Cultura Organizacionais
Comunicação Interna
Comunicação Mercadológica
Comunicação Sindical
CRM
Cultura Empresarial
Ensino de Comunicação
Ética Empresarial
Gestão Empresarial
Gestão do Conhecimento
Governança Corporativa
Jornalismo Ambiental
Identidade Visual / Design
Jornalismo Econômico
Jornalismo Científico
Jornalismo em Saúde
Jornalismo em Agribusiness
Legislação / Códigos de Ética
Jornalismo Empresarial
Marketing Cultural
Marca
Marketing Esportivo
Marketing Educacional
Marketing Social
Marketing Rural
Nova Economia
Publicidade / Propaganda
Qualidade
Relação entre jornalistas e cientistas
Terceiro Setor
Webmarketing
Responsabilidade Social
Marketing Político
Relações Públicas

Comunicação corporativa/empresarial

:: A comunicação cínica da indústria tabagista

Wilson da Costa Bueno*

      Um banner rotativo inserido no site Comunique-se, e patrocinado pela Souza Cruz, exibia, para quem quisesse ver, um dia desses, uma singela sugestão de pauta: Fumante perde mais uma na Justiça.
      A proposta, aos desavisados, certamente pareceu natural. Afinal de contas, os jornalistas precisam de matérias todos os dias e ali estava mais uma, escancarada à sua frente.
      Mas uma leitura atenta, enriquecida pela história nada charmosa da indústria tabagista, evidencia, mais uma vez, o comportamento cínico daqueles que, com a complacência das autoridades, continuam vendendo drogas e aniquilando vidas em todo o mundo.
      Depois de passarem décadas negando os malefícios do cigarro (embora sempre soubessem que ele causava câncer), as empresas (vamos nos fixar aqui na Souza Cruz e na Philip Morris, que são as mais conhecidas) mudaram, recentemente de tática: começaram a proclamar, em alto e bom som, em sites próprios e até em campanhas publicitárias (como faz atualmente a Philip Morris) que o fumo é realmente um produto terrível (alguém duvidou disso algum dia?).
      Setores da mídia, e muitos jornalistas, infelizmente, começaram a enxergar nessa proposta um fato positivo, taxando- a inclusive de ação socialmente responsável. Matérias se multiplicaram na mídia (e ainda estão por aí) destacando o compromisso da indústria tabagista com a cidadania, baseadas nas campanhas que têm como mote "fumar com moderação".
      A indústria tabagista é absolutamente insinuante: ela se infiltra em todos os nichos possíveis, particularmente no campo da comunicação empresarial. Alguns exemplos flagrantes: a revista comemorativa da ABERJE - Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, número 50, do primeiro trimestre de 2004, traz, já nas páginas 4 e 5, portanto logo após o editorial, um artigo assinado por Valter Brunner, diretor de assuntos corporativos da Philip Morris Brasil, defendendo a "responsabilidade social" da empresa. Pela terceira vez , a Philip Morris está também, entre os destaques do Congresso de Comunicação, promovido pela Mega Brasil (é também um dos seus patrocinadores, na verdade, o primeiro que aparece na contracapa do folheto de divulgação) . É possível, inclusive, encontrar a indústria tabagista, confortavelmente instalada, nas newsletters do Instituto Ethos e seus sites.
      Quem não conhece a Philip Morris e a Souza Cruz, imagina estar diante de empresas efetivamente comprometidas com a sociedade. Mas o passivo da indústria tabagista é enorme, sobretudo no relacionamento com a mídia e a opinião pública. São inúmeras as denúncias comprovadas de manipulação da informação, a cooptação até de cientistas para divulgar pesquisas falsas (por exemplo, negando os efeitos no fumante passivo) e o Valor Econômico chegou a publicar matéria de duas páginas sobre o envolvimento da Souza Cruz em episódio de contrabando de cigarros (veja só!).
      Há denúncias recorrentes de prejuízos aos trabalhadores por causa dos agrotóxicos nas plantações de fumo, mas, sobretudo, há um fato insofismável que a indústria tabagista não pode esconder: são milhões de pessoas que morrem todos os anos em todo o mundo vítimas do cigarro. O prejuízo à saúde pública (o que os governos gastam para "curar" as pessoas prejudicadas pela indústria tabagista é muitas e muitas vezes mais do que elas pagam em impostos e doam em sua ação "benemérita") é enorme, já não fosse o fato de que não é possível contabilizar quanto valem milhões de vidas.
      Muita gente ainda não sabe que o Grupo Philip Morris mudou de nome (para Altria) para fugir do estigma de empresa que mata pessoas.
      A indústria tabagista é cínica e imagina que pode, facilmente, enganar os jornalistas e a própria opinião pública (pelas notícias a ela favorável, talvez esteja certa). A recente estratégia de proclamar os males do cigarro tem como objetivo evitar exatamente que os fumantes usem o argumento de que não sabiam que o fumo causa problemas e que fora enganado por empresas, como a Souza Cruz e a Philip Morris. É esse o argumento que as empresas têm usado para "derrotar os fumantes" nos processos na Justiça e, por isso, o empenho, agora, em dizer que o cigarro faz mal (e como faz!).
      Um fato ocorrido em 2001, portanto, recentemente, mostra até onde vai o cinismo da indústria. A Philip Morris divulgou estudo na República Tcheca em que afirmava que o fumo é benéfico para a economia porque (incrível!) , com as morte precoces provocadas pelo fumo naquele país, o governo chegou a economizar até "30 milhões de dólares em políticas de saúde pública e pensões para idosos" ( a citação é do jornal O Globo, de 18 de julho de 2001, p. 27).
      É fundamental ficar claro que, nos Estados Unidos, a indústria tabagista tem feito acordo de bilhões de dólares com Estados por causa dos problemas causados pelo fumo e perdido centenas de ações movidas por fumantes. Infelizmente, a Justiça brasileira age de maneira diferente, embora tenhamos já algumas vitórias contra a indústria das drogas (lícitas, mas fatais). Não é verdade, portanto, como tentou insinuar um importante profissional de Comunicação Empresarial (assessor da associação que representa a indústria do fumo no Brasil), em artigo publicado no Valor Econômico, há algum tempo, de que não adianta mover processo contra as empresas de cigarro. Elas perdem, sim, embora usem de todos os subterfúgios, lícitos ou ilícitos, para não pagar as indenizações. E sugerem pautas sobre as suas vitórias contra pessoas com câncer e outras doenças.
      Os comunicadores empresariais precisam abrir os olhos , exercitar o espírito crítico e, sobretudo, os jornalistas devem estar atentos para esta tentativa perversa de manipulação.
      A indústria tabagista, como a de armas e a de bebidas, tem uma enorme dívida com a sociedade e não pode ser contemplada com estes espaços generosos para fazer a sua divulgação. Ela não merece espaço pelo mal que tem causado a todos nós. A indústria tabagista nada tem de socialmente responsável, a não ser que a gente tenha decidido avacalhar de vez este conceito (há algo mais irresponsável do que matar pessoas e, depois, eximir-se da culpa, dizendo que a culpa é delas?). O fato de o produto que vende ser considerado legal não a torna cidadã, apesar de seu investimento em propaganda e estratégias de assessoria de imprensa para "lavar a alma e a imagem".
      Quanto à sugestão de pauta da Souza Cruz, pelo menos em um caso ela frutificou: A Gazeta Mercantil, no dia 8 de abril de 2004, na primeira página do Caderno Legal & Jurisprudência, publicou nota sobre a derrota do fumante, com o título Ex-fumante perde a causa. De maneira acrítica, como não deve ser a imprensa, valeu-se de material divulgado pela Souza Cruz ( o "segundo a Souza Cruz" evidencia a única referência consultada) para tripudiar sobre o fumante. A publicação só mostra que a vigília precisa continuar e que é importante estar lutando sempre contra os grandes interesses. Eles são poderosos, sorrateiros, cínicos e se valem da comunicação para manipular a opinião pública.
      Uma empresa socialmente responsável não mata pessoas e não tenta "pisar-lhes na cabeça", quando, doentes por sua causa, reivindicam seus direitos. Uma empresa socialmente responsável não busca "vender" este tipo de pauta. Uma empresa socialmente responsável não se empenha em desmoralizar um consumidor fiel que está morrendo por usar os seus produtos.
      Está na hora de reagirmos a esta agressão cínica da indústria tabagista. Ela precisa ser enfrentada com esclarecimento, discussão, indignação. A boa pauta para a imprensa é o cinismo da indústria tabagista. Vamos desmascarar de vez os "vendedores de drogas". Se levarmos em consideração o filme Informante (você ainda não viu?), talvez tenhamos, também, que pedir proteção de vida. Ela é capaz de tudo (quem é capaz de tripudiar sobre próprios consumidores doentes, que as subsidiam, festejando as suas derrotas, não tem escrúpulo algum!)
      Fica, ao final, uma sugestão barata e esclarecedora de leitura: o livro do jornalista Mário César Carvalho, intitulado O Fumo, da PubliFolha. Em pouco mais de 80 folhas, em formato reduzido, ele releva as estratégias "socialmente responsáveis" da indústria tabagista. A comunicação cínica de quem mata e pisa sobre o cadáver merece o nosso repúdio.

--------------------------------------------------------------------------------

* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

 
 
 
Website desenvolvido e hospedagem por @ms public
 
Home